Arquivo da categoria: Endocrinologia Masculina

As alterações dos níveis do principal hormônio masculino, a testosterona, podem ser causadas por alterações na hipófise, nos testículos ou ainda no metabolismo e transporte desse hormônio. A categoria endocrinologia masculina traz as situações que levam às alterações da testosterona e indicações para sua reposição.

Problemas endocrinológicos do tratamento do câncer

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inibidores de checkpoint imunológicos e endocrinopatias

Endocrinologia e oncologia têm uma nova interface: as complicações endocrinológicas dos inibidores de checkpoint. Essas medicações revolucionaram a oncologia nas últimas duas décadas, aumentando a sobrevida de muitos pacientes com câncer.

Os inibidores de checkpoint liberam o sistema imunológico a atacarem as células cancerígenas combatendo o tumor, mas também liberam autoimunidade e inflamação contra o sistema endócrino.

Os eventos adversos mais comuns sobre as glândulas são corriqueiros da prática dos endocrinologistas, tais como a tireoidite autoimune (tireoidite de Hashimoto) e o diabetes tipo 1, mas outras são muito raras, como a hipofisite e insuficiência adrenal primária. Esses eventos adversos podem ser leves a gravíssimos.

A ideia desse texto é conversar acerca da toxicidade dos inibidores de checkpoints sobre as glândulas endócrinas, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento. Os links que aparecerem durante o texto levam aos posts específicos de cada complicação endócrina.  

O que são os inibidores dos checkpoints?

Os inibidores de checkpoint são anticorpos monoclonais amplamente utilizados no tratamento de diversos tipos de câncer na atualidade.

Para quem não está familiarizado com essa classe de droga, os inibidores de checkpoint agem em duas vias de sinalização relacionadas à ativação da célula T do sistema imunológico: o CTLA-4, PD-1 e seu ligante, PD-L1. 

O CTLA-4 (cytotoxic T lymphocyte antigen-4) naturalmente bloqueia a ativação e proliferação das células T do sistema imunológico; O PD-1 (programmed cell death-1) e seu ligante PD-L1 sinergicamente com o CTLA-4 reduzem a proliferação e funcionamento das células T além da produção de citocinas. Essas moléculas são pontos de controle ou verificação (checkpoints) promovem a tolerância imunológica e previnem a autoimunidade.

O bloqueio do CTLA-4 em conjunto ou não com bloqueio do PD-1 e PD-L1 destravam esse controle imunológico e permitem o ataque autoimune contra as células cancerígenas. Só que a inibição desse sistema destrava também a autoimunidade e a inflamação contra outras células não cancerígenas como pele, intestino, fígado e glândulas endócrinas.

Os mecanismos de ação dos inibidores de checkpoint estão representados na Figura 1.

Figura 1. Mecanismos de ação dos inibidores de checkpoint

O ipilimumab foi primeiro inibidor de checkpoint aprovado para o tratamento de melanoma em 2011. Esse tipo de tratamento melhorou substancialmente a sobrevida dos pacientes. Os inibidores de PD-1 e PD-L1 demostraram eficácia maior que a primeira classe e hoje é aprovado em cerca de 17 diferentes tipos de câncer, incluindo pele, rim, pulmão, bexiga, trato digestivo alto e cabeça e pescoço.

Em alguns tipos de câncer, é feita a combinação do inibidor de CTLA-4 e PD-1/PDL-1, o que aumenta a eficácia, mas também os efeitos colaterais.

As principais medicações de cada classe estão descritas na Tabela 1.

DrogaClasse
IpilimumabeAnti-CTLA-4
Nivolumabe
Pembrolizumabe
Cemiplimabe
Anti-PD-1
Atezolizumabe
Avelumabe
Durvalumabe
Anti-PD-L1
Tabela 1. Representantes dos inibidores de checkpoint e suas respectivas classes

Toxicidade sobre o sistema endócrino dos inibidores de checkpoint

Os efeitos adversos que recaem sobre o sistema endócrino são diferentes em comparação aos outros sistemas. A seguir, algumas diferenças:

Primeiro, eles resultam em dano permanente e irreversível sobre as glândulas;

Segundo, para o tratamento dos efeitos colaterais, os dois principais pilares do tratamento (descontinuação da medicação ou corticoides em altas doses) não revertem o quadro autoimune.

Terceiro, o tratamento de reposição hormonal é o tratamento padrão e costuma ser definitivo.

Agora, vamos ver com mais detalhes principais as glândulas atingidas por essas novas medicações.

Tireoide

A tireoide é a glândula mais afetada. Efeitos colaterais acontecem em 10% dos pacientes tratados com inibidores do PD-1/PD-L1 em monoterapia até 15-20% daqueles tratados com combinação de anti-PD-1/CTLA-4. O hipotireoidismo acontece quase sempre e pode ser precedido de uma fase de tireoidite em 30-40% dos casos. Doença de Graves raramente acontece.

Pacientes com autoimunidade prévia são mais suscetíveis ao hipotireoidismo.

O diagnóstico é geralmente feito após o início da terapia com os inibidores de checkpoints, mas pode acontecer a qualquer momento do tratamento. Necessita de alto grau de suspeita clínica, já que os sintomas podem se confundir com os do tratamento do câncer em si.

O diagnóstico laboratorial de hipotireoidismo primário é feito mediante um TSH alto e T4 livre baixo. Entretanto, se houve um T4 livre baixo associado a um TSH baixo ou inapropriadamente normal, o diagnóstico de hipotireoidismo secundário (central) deve ser pensado e a hipófise, investigada.

O TSH e o T4 livre (necessariamente os dois) devem ser avaliados a cada 8 semanas do início do tratamento com essas drogas e a qualquer momento se houver sintomas sugestivos de disfunção tireoidiana.

O tratamento é o padrão para tireoidite e o hipotireoidismo, com sintomáticos na fase de tireotoxicose, se houver, seguidos por reposição com levotiroxina.

Hipófise

A inflamação da hipófise, ou hipofisite, é uma condição muito rara fora do contexto dos inibidores de checkpoints. Entretanto, hipofisite ou hipopituitarismo ocorrem em até 10% dos pacientes que receberam anti-CTLA-4 isolado ou combinado com o bloqueio do PD-1.  Raramente acontece com anti-PD-1/PD-L1 em monoterapia (0,5 – 1,0%). Sexo masculino e idade mais avançada parecem ser fatores de risco para essa complicação.

Em modelos animais tratados com anti-CTLA-4 há infiltração de linfócitos e produção de autoanticorpos específicos contra as células que produzem ACTH, TSH e gonadotrofinas).

A maioria dos pacientes com hipofisite apresentam sintomas. Para o tratamento com ipilimumabe, os sintomas aparecem mais entre 9-12 semanas e em 6 meses para os anti-PD-1/PD-L1.

Fadiga e náusea são comuns e podem acontecer por conta de insuficiência adrenal secundária. Dor de cabeça, náuseas, vômitos, visão dupla e defeitos do campo visual são relacionados à neurocompressão de estruturas circunvizinhas à hipófise.

Além da insuficiência adrenal, hipotireoidismo e hipogonadismo centrais ou secundários, também são bastante comuns.

O diagnóstico da hipofisite é feito com a dosagem dos basais hormonais dos diferentes setores (ACTH/cortisol, TSH/T4 livre, FSH/LH e estradiol ou testosterona etc.). Qualquer dose de corticoide recente pode confundir o diagnóstico de insuficiência adrenal e o endocrinologista deve ser consultado já que podem ser necessários testes hormonais dinâmicos, como o teste do ACTH para confirmação diagnóstica da insuficiência adrenal.  

Os pacientes que apresentarem dor de cabeça devem ser investigados com ressonância magnética com atenção especial para área da hipófise. A imagem encontrada na sela túrcica pode ser de uma hipófise aumentada, que pode ser descrita como um “adenoma de hipófise” ou sela vazia. Contudo, uma imagem normal da hipófise não afasta o diagnóstico.

O rastreamento da insuficiência adrenal com cortisol sérico basal é controverso no tratamento dos inibidores de checkpoint.

O tratamento da insuficiência adrenal é padrão, já descrito em outro post, com prednisona ou hidrocortisona.

Se houver o diagnostico de hipotireoidismo concomitante, há dois pontos de atenção:

  1. nunca deve ser feita a reposição da levotiroxina antes de descartar e iniciar o tratamento da insuficiência adrenal com corticoide (isso vale para o hipotireoidismo primário e central) ;
  2. devemos nos basear no T4 livre e não no TSH para definir a dose de reposição de levotiroxina no hipotireoidismo central.

A reposição com esteroides sexuais nos homens e mulheres pode ser realizada, desde que não haja contraindicação ao seu uso.

Pacientes com sintomas de neurocompressão graves (dor de cabeça intensa, visão dupla, alteração do campo visual) podem receber prednisona 1-2mg/kg com rápido desmame (em 1-2 semanas) para não atrapalhar o tratamento oncológico. É possível que o corticoide continue como dose de reposição de insuficiência adrenal, mas não como dose anti-inflamatória.

Insuficiência adrenal primária

A insuficiência adrenal primária é uma complicação rara do tratamento com inibidores de checkpoint.  Os sintomas comuns aos da insuficiência adrenal secundária são cansaço, fadiga e náusea e os sintomas exclusivos da insuficiência primária são escurecimento da pele, hipotensão com ou sem desidratação. No laboratório, temos cortisol baixo com ACTH alto e aumento do potássio como marcadores da insuficiência adrenal primária.

A crise adrenal é mais comum na insuficiência adrenal primária, mas pode acontecer também na secundária. Como a crise adrenal é uma complicação potencialmente fatal, o tratamento com hidrocortisona e reposição volêmica devem ser iniciados mesmo sem a confirmação de qual seria o tipo de insuficiência adrenal. Não esquecer da carta ou cartão de orientação nos casos de emergência na alta do paciente!

De uso contínu, na insuficiência adrenal primária, é necessário um glicocorticoide (prednisona ou hidrocortisona) associado à um mineralocorticoide (fludrocortiosona).

Diabetes mellitus (DM)

É um diabetes mellitus causado pelos inibidores do checkpoint cursam com deficiência grave de insulina. Parece um tipo 1, mas tem algumas particularidades.

É provável que seja um diabetes autoimune, mas os anticorpos contra o pâncreas só estão presentes em 40-50% dos pacientes versus 90% dos pacientes com diabetes tipo 1.

Há uma destruição mais rápida e grave das células beta das ilhotas pancreáticas. Diferentemente da hipofisite, o diabetes mellitus é mais comum em usuários dos inibidores de anti-PD-1/PD-L1 isolado ou em combinação e raro nos que usam CTLA-4 em monoterapia.

Frequentemente, o DM pode vir associado à pancreatite (pâncreas exócrino), tireoidite e colite.

O diagnóstico não é difícil, pois os sintomas são clássicos do diabetes descompensando e da cetoacidose diabética. A glicemia está alta ao diagnóstico, mas a Hb glicada pode não estar elevada, já que a glicemia pode subir de forma rápida e não dar tempo de glicar a hemoglobina.

Mais comumente, o diabetes aparece entre 7-17 semanas do início da terapia com os inibidores do checkpoint, mas pode surgir vários anos depois.

A monitorização da glicemia a cada ciclo da medicação oncológica pode ser útil. Amilase e lipase elevadas suportam o diagnóstico do diabetes induzido pela droga, mas podem vir normais.

O tratamento é feito como no diabetes tipo 1, com reposição de dois tipos de insulinas de forma permanente.

Considerações finais

As complicações endocrinológicas das novas medicações contra o câncer abrem um novo capítulo na endocrinologia e mais um ponto de trabalho em conjunto entre o oncologista e endocrinologista.

A primeira vez que eu ouvi uma colega falar de hipofisite em um dos pacientes dela usando inibidores de checkpoint eu fiquei assustada e curiosa, até o momento em que eu tive um paciente no consultório com insuficiência adrenal secundária ao uso dessas medicações. Percebi, naquele momento, que esse tipo de paciente pode chegar em qualquer consultório de endocrinologia.

Uma das motivações que me fazem escrever nesse blog é aprender mais sobre assuntos novos e esse, certamente, esse é essencial. Espero que essas informações tenham sido úteis para pacientes em tratamento oncológico, aos que trabalham ou convivem com pessoas em tratamento de câncer e colegas de profissão.

Referências

Wright JJ, Powers AC, Johnson DB. Endocrine toxicities of immune checkpoint inhibitors. Nat Rev Endocrinol. 2021 Jul;17(7):389-399. doi: 10.1038/s41574-021-00484-3. Epub 2021 Apr 19. PMID: 33875857; PMCID: PMC8769055.

Percik R, Shoenfeld Y. Check point inhibitors and autoimmunity: Why endocrinopathies and who is prone to? Best Pract Res Clin Endocrinol Metab. 2020 Jan;34(1):101411. doi: 10.1016/j.beem.2020.101411. Epub 2020 Mar 5. PMID: 32278687.

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Alterações hormonais causadas pelos opioides

Eu espero que aqui não chegue a tal crise pelo abuso de opioides que acometeu a terra do Tio Sam. O uso de opioide aumentou nas últimas décadas em vários países. Apesar do seu uso ter reduzido nos EUA no começo da última década, a mortalidade cresceu muito naquele país. Aqui no Brasil, de 2009 a 2015, o consumo de opioides cresceu quase cinco vezes!! (1).

Todo esse alarme foi antes do início pandemia de covid-19, mas acho que as coisas não devem ter melhorado muito. De certa forma, é bom a gente saber que os opioides ou opiáceos mexem com os hormônios também.

O primeiro registro do uso de ópio foi datado cerca de 4.000 anos antes da era cristã. Ele é obtido a partir da Papaver somniferum, um tipo de papoula. A morfina deu origem a vários compostos, os quais veremos a seguir.

Tipo de opioidesubstância
Natural  Morfina
Codeína  
Semi-sintético  Diamorina (heroina)
Buprenorfina
Dihidrocodeína
Hidromorfona
Oxicodona  
Sintéticos  Alfentanil
Fentanil
Metadona
Pentazocina
Petidina (meperidina)
Tramadol  
Tabela 1. Tipos de opioides mais comumente prescritos

Na medicina, os opioides foram usados inicialmente como analgésicos. Outros tipos de opioides, como a codeína, morfina e metadona, são utilizados para controle da tosse em pacientes com câncer de pulmão. Já a loperamida e a codeína são usadas primariamente para controle da diarreia e síndrome do cólon irritável. Finalmente, a heroína é utilizada como droga recreativa devido aos seus efeitos estimulantes. Certamente, você já ouviu falar de algum deles ou até tomou algum para outro motivo que não tratamento de dor. 

Os opioides causam distúrbios em três sistemas na endocrinologia:

  • Hipotálamo-hipófise-gonadal (ovários e testículos)
  • Hipotálamo-hipófise-adrenal
  • Prolactina

Em todos os pacientes que estejam em uso de corticoide, devemos questionar sobre sintomas nessas três esferas (2).

Figura 1. Investigação inicial do paciente em uso de opiáceos

Eixo hipotálamo-hipotálamo-gônadas

A deficiência dos hormônios sexuais, também chamada de hipogonadismo, é talvez o efeito mais conhecido dos opioides sobre o sistema endócrino.

Muitos hormônios são liberados de forma cíclica em pulsos. O hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH) é produzido no hipotálamo e estimula a liberação de LH (hormônio luteinizante) e em menor grau o FSH (hormônio folículo estimulante). Essas gonadotrofinas estimulam a produção de estrógeno e testosterona, respectivamente, pelos ovários ou testículos. Pode ser que os opioides tenham efeitos diretos sobre os testículos.

O uso a longo prazo (pelo menos um mês) tem efeitos na redução da testosterona em homens.

Um estudo mostrou em mulheres de 18 a 55 anos, o uso de opioides por um tempo maior que três meses foi associado a risco maior de parada da menstruação (amenorreia) e menopausa. Há de se considerar que os pacientes com dor crônica, a presença de outras doenças e medicações e a idade do paciente pode contribuir para a irregularidade menstrual.

Como um ciclo vicioso, as várias consequências do hipogonadismo, incluindo disfunção erétil, impotência, redução da massa muscular em homens; redução dos ciclos menstruais (oligomenorreia) ou cessação dos ciclos (amenorreia) em mulheres; e redução da libido, infertilidade, perda de massa óssea e depressão em ambos os sexos, também podem contribuir para o controle inadequado da dor.

O tratamento para essa complicação, tanto em homens como mulheres, é descontinuar ou reduzir a dose de opiáceos. Se isso não for possível, considerar a reposição dos hormônios sexuais.

Figura 2. Manejo do hipogonadismo hipogonadotrófico secundário ao uso de opioides

Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal

Sobre as adrenais, os efeitos dos opioides são menos claros. Essa adrenal é sempre misteriosa!

Os opioides inibem o hormônio hipotalâmico liberador da corticotrofina (CRH) que estimula a liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e, por sua vez, o cortisol pela adrenal. Parece que também há um efeito direto do opioide sobre a própria adrenal.

O uso por curto período ou prolongadamente podem inibir o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Para o diagnóstico desse tipo de insuficiência adrenal secundária pode ser necessário o uso de testes de estímulo como o da cortrosina e de tolerância a insulina.
Como sempre, a interpretação dos níveis de cortisol deve ser feita considerando se a pessoa está também em uso de corticoides.

A redução da dose ou suspenção do opioide melhora ou restaura a função desse eixo.

Dúvidas existem se a reposição de corticoide de forma rotineira deve ser feita. Após a suspensão da medicação, a recuperação da adrenal deve ser avaliada com dosagens de cortisol no sangue no período da manhã de forma periódica.

Figura 3. Manejo da insuficiência adrenal causada por opioide

Prolactina

Os opioides estimulam a liberação da prolactina provavelmente por inibição da dopamina. O aumento da prolactina, por sua vez, pode piorar o quadro de hipogonadismo.

Figura 4. Ação dos opioides sobre o hipotálamo e a hipófise, resultando no aumento da prolactina e redução dos gonadotrofinas. Modificado de Wehbeh e col (3)

A redução, descontinuação ou troca do opioide são estratégias sugeridas para redução da prolactina.

Para saber mais sobre a prolactina, tem várias publicações aqui no blog.

Figura 5. Tratamento da hiperprolactinemia induzida por opioides

Metabolismo ósseo

Os prováveis efeitos negativos dos opioides sobre a densidade mineral óssea são pela ação indireta, por conta do hipogonadismo, e diretamente pelo efeito na remodelação óssea. Essas medicações são associadas a maior risco de fratura também por conta dos seus efeitos sedativos que predispõem a quedas.

Além da avaliação hormonal dos eixos anteriormente mencionados, a avaliação do paciente em uso crônico de opioides deve incluir o exame de densitometria óssea.

Considerações finais

Os efeitos dos opioides são mais bem documentados sobre a redução dos hormônios sexuais (hipogonadismo). A insuficiência adrenal também foi documentada, tanto em uso de curto prazo e longo prazo.  Os efeitos sobre os ossos não devem ser esquecidos.

O aumento da prolactina com o uso de opioide é mais bem estabelecido, mas não há dados concretos sobre os outros eixos em que a hipófise está envolvida, como o da tireoide, hormônio do crescimento e ocitocina.

Agora, imagina se Dr. House fosse paciente! Certamente, ele teria que fazer uma avaliação hormonal e óssea. Brincadeiras à parte, o uso de opioide deve ser muito, mas muito criterioso por conta dos efeitos no sistema endócrino e muitos outros mais.  

Referências

  1. Krawczyk N, Greene MC, Zorzanelli R, Bastos FI. Rising Trends of Prescription Opioid Sales in Contemporary Brazil, 2009-2015. Am J Public Health. 2018 May;108(5):666-668. doi: 10.2105/AJPH.2018.304341. Epub 2018 Mar 22. PMID: 29565665; PMCID: PMC5888056.
  • Fountas A, Van Uum S, Karavitaki N. Opioid-induced endocrinopathies. Lancet Diabetes Endocrinol. 2020 Jan;8(1):68-80. doi: 10.1016/S2213-8587(19)30254-2. Epub 2019 Oct 14. PMID: 31624023.
  • Wehbeh L, Dobs AS. Opioids and the Hypothalamic-Pituitary-Gonadal (HPG) Axis. J Clin Endocrinol Metab. 2020 Sep 1;105(9):dgaa417. doi: 10.1210/clinem/dgaa417. PMID: 32770254.

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É perigoso tomar hormônio?

A resposta é “depende”. Depende da situação, depende que tipo de hormônio. Alguns gostam (até demais) de usar hormônios, outros precisam e têm medo.  Nesse post, vamos discutir quais as principais situações em que os hormônios são indicados ou contra-indicados.

Hormônio: anjo ou demônio?

Reposição, suplementação, modulação e terapia hormonal

Reposição

Em linhas gerais, a REPOSIÇÃO HORMONAL é bem-vinda. Reposição entenda-se quando há real deficiência da produção dos hormônios das próprias glândulas. Como principais exemplos, temos a reposição de insulina no diabetes tipo 1. A insulina, nesse caso, é fundamental para sobrevivência; A reposição de hormônio tiroidiano no hipotireoidismo é importantíssima para o metabolismo.

Outros exemplos de reposição hormonal cabem bem para os hipogonadismos. O hipogonadismo masculino é a deficiência de testosterona (deficiência mesmo) e hipogonadismo feminino é a deficiência de hormônios sexuais femininos em idade reprodutiva. Para esses tipos de hipogonadismo, a a reposição dos respectivos hormônios sexuais é também muito importante.

Na endocrinopediatria, outro grande exemplo de doença com necessidade de reposição hormonal é a deficiência de hormônio de crescimento.

Dessa forma, o diabetes tipo 1, o hipotireoidismo, o hipogonadismo e a deficiência de hormônio de crescimento são exemplos nos quais a REPOSIÇÃO HORMONAL é indicada.

Suplementação

Já a SUPLEMENTAÇÃO hormonal é bastante discutida e pode ser prejudicial. Seriam os casos onde não há deficiência hormonal ou os níveis hormonais não atingem critério para indicar o tratamento. O exemplo mais popular de é a suplementação de testosterona em homens e a suposta “reposição” desse hormônio em mulheres para aumentar o desejo sexual e massa muscular.

O uso abusivo de testosterona em homens leva a uma série de complicações. Para as mulheres, nós, “endocrinologistas raiz”, não nos preocupamos com a testosterona baixa, mas sim com o excesso desse hormônio. Também recriminamos o uso de hormônio de crescimento para quem não tenha deficiência comprovada.

“Modulação hormonal”

A MODULAÇÃO HORMONAL é uma tipo de terapia que as sociedades de encrinologia não reconhecem. Na verdade, repudiamos esse tipo de prática. A Síndrome da Fadiga Adrenal para nós não existe, por exemplo. Para esse tipo de “problema” a administração de cortisol sem que haja deficiência, pode levar a quadro de Síndrome de Cushing e sem dúvida é prejudicial.

Hormonioterapia para transgêneros e Terapia Hormonal na menopausa

Há terapias hormonais para pessoas transgêneros que fogem um pouco dos exemplos dados acima. Outra terapia que vêm sempre à lembrança quando se fala em hormônio é a terapia na menopausa (não se usa mais o termo “terapia de reposição hormonal ou TRH”). No primeiro exemplo, os hormônios sexuais do sexo biológico oposto são utilizados para afirmação de gênero nos transsexuais. No segundo caso, não há uma real deficiência, já que a menopausa é um fenômeno fisiológico, mas algumas mulheres podem ter redução considerável da qualidade de vida e a administração de hormônios é indicada em situações específicas e sem fins estéticos.

A HORMONIOTERAPIA para afirmação de gênero é realizada por uma equipe multidisciplinar treinada e a TERAPIA HORMONAL (TR) na menopausa deve ter monitorização periódica de mamas e útero. Na minha prática, não faço nenhum desses dois tipos de terapia hormonal, a primeira por não estar inserida numa equipe multidisciplinar própria e a segunda por não me sentir treinada o suficiente para detectar precocemente potenciais complicações da terapia hormonalm, como é o câncer de mama e endométrio.

Pegando o gancho no risco de câncer de mama na TR, essa CONTROVERSA complicação da terapia hormonal leva muitas mulheres a temer qualquer tipo de hormônio. Os hormônios para TR evoluíram bastante e é discutivel que as novas dosagens e novas formulações aumentem o risco de câncer. Entretanto, esse fantasma ficou no imaginário coletivo. Não é nada raro que muitas pacientes tenham receio de tomar hormônio de tireoide por acharem que é perigoso tomar ‘hormônio”, pois eles podem levar a casos de câncer. O hormônio de tireoide não tem nenhuma associação com câncer.

Hormônios “idênticos”, sintéticos e bioidênticos

Hormônios “idênticos”

Os hormônios utilizados na reposição hormonal podem ser idênticos aos produzidos pelas glândulas. As insulinas humanas, a levotiroxina, o estradiol, progesterona e o hormônio de crescimento são exemplos de hormônios iguais aos produzidos pelo pâncreas, tireoide, ovários e hipófise, respectivamente. Eles são os verdadeiros hormônios bioidênticos, mas resolvi usar o termo “idênticos” para diferenciar do que é utilizado para os hormônios manipulados, que serão comentados posteriormente.

Infelizmente, a reposição hormonal em casos de deficiência pode chegar muito próximo, mas ainda não é suficiente para simular ou mimetizar a produção endógena (a que a própria glândula faria). Em parte, isso se deve à necessidade de que os hormônios passarem por barreiras diferentes até chegar aos órgãos-alvo, ou terem excipientes que podem modificar sua ação. A insulina produzida pelo pâncreas cai diretamente na circulação sanguínea e a insulina injetada tem que passar pelo tecido subcutâneo até chegar à circulação sanguínea. A levotiroxina têm que ser tomada em jejum diariamente para que seja minimamente garantida uma quantidade fixa de hormônio tireoidiano dia a dia. A interferência dos alimentos na absorção do hormônio tireoidiano pode influir na quantidade de hormônio que chega à circulação. Isso não acontece com os hormônios produzidos pela tireoide, que de forma semelhante à insulina, caem direto na corrente sanguínea.

Hormônios análogos e sintéticos

Existem hormônios que têm estrutura diferente do hormônio “original”. Pequenas modificações na estrutura acrescentam melhorias à reposição hormonal, como o caso dos análogos de insulina. Existem os análogos de GLP1 muito utilizados no tratamento da obesidade. Modificações mais profundas das estruturas dos hormônios dão origem a outras moléculas, que são os hormônios sintéticos.

Da classe dos corticoides, temos como exemplo de hormônio sintético a dexametasona, vinte vezes mais potente que o hormônio cortisol, produzido pela adrenal. O corticóide salva vidas quando administrado na insuficiência adrenal e como anti-inflamatório em outras doenças, mas utilizados de forma indiscriminada são muito prejudiciais à saúde. Atualmente, a dexametasona vem sendo muito utilizada na infecção pelo covid, muitas vezes de forma equivocada.

As pílulas anticoncepcionais ou contraceptivos orais são exemplos de uma combinação de hormônios sintéticos da classe dos estrogênios e progestagênios. Os anticoncepcionais têm efeitos que muitas mulheres gostam na pele e cabelos (redução da oleosidade e acne) e efeitos muito temidos (ganho de peso, inchaço, trombose). Não estou aqui para falar mal desse tipo de contracepção, mas gostaria de lembrar que não é o único para quem tem medo ou não se adapta aos contraceptivos orais. Há os dispositivos intrauterinos de cobre ou prata, os métodos de barreira e os métodos contraceptivos naturais que não têm os efeitos indesejáveis dos hormônios sintéticos e são eficazes em evitar uma gravidez indesejada. Mesmo o dispositivo uterino com hormônio tem menos efeitos colaterais sistêmicos (generalizados). Ainda para o controle dos sintomas da síndrome dos ovários policísticos, pode haver alternativas terapêuticas além do anticoncepcional.

A terapia de reposição (TR) na menopausa utilizou por muito tempo hormônios sintéticos e até derivados de outra espécie animal. Ainda há formulações com hormônios sintéticos para essa finalidade, mas a tendência é utilizar hormônios naturais como o estradiol e a progesterona micronizada. Diferentes formulações desses hormônios mais modernos também foram lançadas no mercado.

A oxandrolona e o estanozolol são exemplos de anabolizantes sintéticos derivados da testosterona. Não há indicação para o uso desses compostos quando se fala em reposição hormonal. São atualmente utilizados para fins estéticos apenas e certamente trazem malefícios à saúde.

Hormônios bioidênticos

Os hormônios bioidênticos, como o próprio nome já fala, seriam aqueles iguaizinhos aos produzidos pelas glândulas.  O termo poderia ser utilizado para a insulina, hormônio de crescimento, levotiroxina etc. mas é sinônimo hoje em dia de terapia no mínimo duvidosa.

Quem prescreve hormônio bioidêntico tem que orientar para que o paciente o encomende nas farmácias de manipulação. Em outras palavras, são fórmulas magistrais, algo que durante a minha residência na USP fui desencorajada a prescrever. Se já com toda a tecnologia e estudos da indústria farmacêutica para o desenvolvimento de medicamentos temos alguma dificuldade em fazer terapia de reposição hormonal com os produtos comercialmente disponíveis, imaginem com formulações que não foram adequadamente testadas (fase 1, fase 2 e fase 3 de ensaios clínicos…), e que não tenham regulação da ANVISA? Um pouco perigoso, não acham?

O termo “terapia com hormônios bioidênticos” causa arrepios nos endocrinologista tradicionais tanto quanto o termo “modulação hormonal”. Eles podem bagunçar os eixos hormonais que estavam antes equilibrados. Sem ressentimentos ou rixas, quem geralmente prescreve hormônios bioidênticos são médicos ortomoleculares e médicos nutrólogos focados em doenças que não reconhecemos e terapias antienvelhecimento. Os hormônios bioidênticos também são utilizados na terapia hormonal na menopausa.  

As sociedades médicas de endocrinologia e ginecologia e obstetrícia sugerem cautela ao utilizar os hormônios bioidênticos. Se eu tivesse que sugerir algo, diria para ter muita, mas muita atenção para os profissionais que prescrevem esse tipo de terapia. Verifiquem se eles realmente têm a especialidade que declaram e busquem informações sobre as terapias propostas. Em relação aos profissionais, você pode consultar no site do Conselho Federal de Medicina (https://portal.cfm.org.br/busca-medicos/) se eles realmente são especialistas. Já para as terapias hormonais, você pode buscar informação, por exemplo, nas páginas das sociedades científicas e nos blogs profissionais que mostrem boas referências científicas sobre tema que estão falando. Com uma pesquisa cuidadosa espero que você possa separar o joio do trigo.

Exemplo de resultado de pesquisa por profissionais no portal do Conselho Federal de Medicina
Exibição do meu perfil no portal do Conselho Federal de Medicina (CFM). Posso divulgar duas especialidades.

Considerações finais

A resposta para a pergunta inicial do texto se é ou não perigoso tomar hormônio não é tão simples. Há hormônios e hormônios e diferentes situações em que eles podem ser utilizados, algumas em que a terapia hormonal é vital e outras em que é prejudicial.

A endocrinologia é a especialidade que estuda os hormônios. É uma área complexa e fascinante. Estudamos hormônios de vários tipos, várias glândulas, as interações entre elas e a atuação dos hormônios nos diversos órgãos. Sabemos da responsabilidade de prescrever hormônios e por isso somos tão cautelosos.

Para a tristeza dos endocrinologistas, o uso indiscriminado e abusivo dos hormônios na promessa de beleza e saúde eternas faz muito sucesso. Encontram um público que não tem medo dos hormônios, parte dele são pessoas imprudentes e a outra, pessoas desavisadas.

No outro extremo, há pessoas que têm verdadeiro pavor de utilizar hormônios, pensando apenas nos seus efeitos colaterais, alguns já superados por novos medicamentos. São pessoas que precisam de tratamento, mas não utilizam hormônio achando que é perigoso.

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra…

Se você tem ainda dúvida sobre a utilização de hormônios, procure o seu médico e, se preciso for, um endocrinologista.

P.S. Para as referências, siga os links no texto.

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Espero ver você mais vezes!

Um forte abraço,

Suzana