A resposta é “depende”. Depende da situação, depende que tipo de hormônio. Alguns gostam (até demais) de usar hormônios, outros precisam e têm medo. Nesse post, vamos discutir quais as principais situações em que os hormônios são indicados ou contra-indicados.
Reposição, suplementação, modulação e terapia hormonal
Reposição
Em linhas gerais, a REPOSIÇÃO HORMONAL é bem-vinda. Reposição entenda-se quando há real deficiência da produção dos hormônios das próprias glândulas. Como principais exemplos, temos a reposição de insulina no diabetes tipo 1. A insulina, nesse caso, é fundamental para sobrevivência; A reposição de hormônio tiroidiano no hipotireoidismo é importantíssima para o metabolismo.
Outros exemplos de reposição hormonal cabem bem para os hipogonadismos. O hipogonadismo masculino é a deficiência de testosterona (deficiência mesmo) e hipogonadismo feminino é a deficiência de hormônios sexuais femininos em idade reprodutiva. Para esses tipos de hipogonadismo, a a reposição dos respectivos hormônios sexuais é também muito importante.
Na endocrinopediatria, outro grande exemplo de doença com necessidade de reposição hormonal é a deficiência de hormônio de crescimento.
Dessa forma, o diabetes tipo 1, o hipotireoidismo, o hipogonadismo e a deficiência de hormônio de crescimento são exemplos nos quais a REPOSIÇÃO HORMONAL é indicada.
Suplementação
Já a SUPLEMENTAÇÃO hormonal é bastante discutida e pode ser prejudicial. Seriam os casos onde não há deficiência hormonal ou os níveis hormonais não atingem critério para indicar o tratamento. O exemplo mais popular de é a suplementação de testosterona em homens e a suposta “reposição” desse hormônio em mulheres para aumentar o desejo sexual e massa muscular.
O uso abusivo de testosterona em homens leva a uma série de complicações. Para as mulheres, nós, “endocrinologistas raiz”, não nos preocupamos com a testosterona baixa, mas sim com o excesso desse hormônio. Também recriminamos o uso de hormônio de crescimento para quem não tenha deficiência comprovada.
“Modulação hormonal”
A MODULAÇÃO HORMONAL é uma tipo de terapia que as sociedades de encrinologia não reconhecem. Na verdade, repudiamos esse tipo de prática. A Síndrome da Fadiga Adrenal para nós não existe, por exemplo. Para esse tipo de “problema” a administração de cortisol sem que haja deficiência, pode levar a quadro de Síndrome de Cushing e sem dúvida é prejudicial.
Hormonioterapia para transgêneros e Terapia Hormonal na menopausa
Há terapias hormonais para pessoas transgêneros que fogem um pouco dos exemplos dados acima. Outra terapia que vêm sempre à lembrança quando se fala em hormônio é a terapia na menopausa (não se usa mais o termo “terapia de reposição hormonal ou TRH”). No primeiro exemplo, os hormônios sexuais do sexo biológico oposto são utilizados para afirmação de gênero nos transsexuais. No segundo caso, não há uma real deficiência, já que a menopausa é um fenômeno fisiológico, mas algumas mulheres podem ter redução considerável da qualidade de vida e a administração de hormônios é indicada em situações específicas e sem fins estéticos.
A HORMONIOTERAPIA para afirmação de gênero é realizada por uma equipe multidisciplinar treinada e a TERAPIA HORMONAL (TR) na menopausa deve ter monitorização periódica de mamas e útero. Na minha prática, não faço nenhum desses dois tipos de terapia hormonal, a primeira por não estar inserida numa equipe multidisciplinar própria e a segunda por não me sentir treinada o suficiente para detectar precocemente potenciais complicações da terapia hormonalm, como é o câncer de mama e endométrio.
Pegando o gancho no risco de câncer de mama na TR, essa CONTROVERSA complicação da terapia hormonal leva muitas mulheres a temer qualquer tipo de hormônio. Os hormônios para TR evoluíram bastante e é discutivel que as novas dosagens e novas formulações aumentem o risco de câncer. Entretanto, esse fantasma ficou no imaginário coletivo. Não é nada raro que muitas pacientes tenham receio de tomar hormônio de tireoide por acharem que é perigoso tomar ‘hormônio”, pois eles podem levar a casos de câncer. O hormônio de tireoide não tem nenhuma associação com câncer.
Hormônios “idênticos”, sintéticos e bioidênticos
Hormônios “idênticos”
Os hormônios utilizados na reposição hormonal podem ser idênticos aos produzidos pelas glândulas. As insulinas humanas, a levotiroxina, o estradiol, progesterona e o hormônio de crescimento são exemplos de hormônios iguais aos produzidos pelo pâncreas, tireoide, ovários e hipófise, respectivamente. Eles são os verdadeiros hormônios bioidênticos, mas resolvi usar o termo “idênticos” para diferenciar do que é utilizado para os hormônios manipulados, que serão comentados posteriormente.
Infelizmente, a reposição hormonal em casos de deficiência pode chegar muito próximo, mas ainda não é suficiente para simular ou mimetizar a produção endógena (a que a própria glândula faria). Em parte, isso se deve à necessidade de que os hormônios passarem por barreiras diferentes até chegar aos órgãos-alvo, ou terem excipientes que podem modificar sua ação. A insulina produzida pelo pâncreas cai diretamente na circulação sanguínea e a insulina injetada tem que passar pelo tecido subcutâneo até chegar à circulação sanguínea. A levotiroxina têm que ser tomada em jejum diariamente para que seja minimamente garantida uma quantidade fixa de hormônio tireoidiano dia a dia. A interferência dos alimentos na absorção do hormônio tireoidiano pode influir na quantidade de hormônio que chega à circulação. Isso não acontece com os hormônios produzidos pela tireoide, que de forma semelhante à insulina, caem direto na corrente sanguínea.
Hormônios análogos e sintéticos
Existem hormônios que têm estrutura diferente do hormônio “original”. Pequenas modificações na estrutura acrescentam melhorias à reposição hormonal, como o caso dos análogos de insulina. Existem os análogos de GLP1 muito utilizados no tratamento da obesidade. Modificações mais profundas das estruturas dos hormônios dão origem a outras moléculas, que são os hormônios sintéticos.
Da classe dos corticoides, temos como exemplo de hormônio sintético a dexametasona, vinte vezes mais potente que o hormônio cortisol, produzido pela adrenal. O corticóide salva vidas quando administrado na insuficiência adrenal e como anti-inflamatório em outras doenças, mas utilizados de forma indiscriminada são muito prejudiciais à saúde. Atualmente, a dexametasona vem sendo muito utilizada na infecção pelo covid, muitas vezes de forma equivocada.
Estrutura molecular do cortisol Estrutura molecular da dexametasona
As pílulas anticoncepcionais ou contraceptivos orais são exemplos de uma combinação de hormônios sintéticos da classe dos estrogênios e progestagênios. Os anticoncepcionais têm efeitos que muitas mulheres gostam na pele e cabelos (redução da oleosidade e acne) e efeitos muito temidos (ganho de peso, inchaço, trombose). Não estou aqui para falar mal desse tipo de contracepção, mas gostaria de lembrar que não é o único para quem tem medo ou não se adapta aos contraceptivos orais. Há os dispositivos intrauterinos de cobre ou prata, os métodos de barreira e os métodos contraceptivos naturais que não têm os efeitos indesejáveis dos hormônios sintéticos e são eficazes em evitar uma gravidez indesejada. Mesmo o dispositivo uterino com hormônio tem menos efeitos colaterais sistêmicos (generalizados). Ainda para o controle dos sintomas da síndrome dos ovários policísticos, pode haver alternativas terapêuticas além do anticoncepcional.
A terapia de reposição (TR) na menopausa utilizou por muito tempo hormônios sintéticos e até derivados de outra espécie animal. Ainda há formulações com hormônios sintéticos para essa finalidade, mas a tendência é utilizar hormônios naturais como o estradiol e a progesterona micronizada. Diferentes formulações desses hormônios mais modernos também foram lançadas no mercado.
A oxandrolona e o estanozolol são exemplos de anabolizantes sintéticos derivados da testosterona. Não há indicação para o uso desses compostos quando se fala em reposição hormonal. São atualmente utilizados para fins estéticos apenas e certamente trazem malefícios à saúde.
Hormônios bioidênticos
Os hormônios bioidênticos, como o próprio nome já fala, seriam aqueles iguaizinhos aos produzidos pelas glândulas. O termo poderia ser utilizado para a insulina, hormônio de crescimento, levotiroxina etc. mas é sinônimo hoje em dia de terapia no mínimo duvidosa.
Quem prescreve hormônio bioidêntico tem que orientar para que o paciente o encomende nas farmácias de manipulação. Em outras palavras, são fórmulas magistrais, algo que durante a minha residência na USP fui desencorajada a prescrever. Se já com toda a tecnologia e estudos da indústria farmacêutica para o desenvolvimento de medicamentos temos alguma dificuldade em fazer terapia de reposição hormonal com os produtos comercialmente disponíveis, imaginem com formulações que não foram adequadamente testadas (fase 1, fase 2 e fase 3 de ensaios clínicos…), e que não tenham regulação da ANVISA? Um pouco perigoso, não acham?
O termo “terapia com hormônios bioidênticos” causa arrepios nos endocrinologista tradicionais tanto quanto o termo “modulação hormonal”. Eles podem bagunçar os eixos hormonais que estavam antes equilibrados. Sem ressentimentos ou rixas, quem geralmente prescreve hormônios bioidênticos são médicos ortomoleculares e médicos nutrólogos focados em doenças que não reconhecemos e terapias antienvelhecimento. Os hormônios bioidênticos também são utilizados na terapia hormonal na menopausa.
As sociedades médicas de endocrinologia e ginecologia e obstetrícia sugerem cautela ao utilizar os hormônios bioidênticos. Se eu tivesse que sugerir algo, diria para ter muita, mas muita atenção para os profissionais que prescrevem esse tipo de terapia. Verifiquem se eles realmente têm a especialidade que declaram e busquem informações sobre as terapias propostas. Em relação aos profissionais, você pode consultar no site do Conselho Federal de Medicina (https://portal.cfm.org.br/busca-medicos/) se eles realmente são especialistas. Já para as terapias hormonais, você pode buscar informação, por exemplo, nas páginas das sociedades científicas e nos blogs profissionais que mostrem boas referências científicas sobre tema que estão falando. Com uma pesquisa cuidadosa espero que você possa separar o joio do trigo.

Considerações finais
A resposta para a pergunta inicial do texto se é ou não perigoso tomar hormônio não é tão simples. Há hormônios e hormônios e diferentes situações em que eles podem ser utilizados, algumas em que a terapia hormonal é vital e outras em que é prejudicial.
A endocrinologia é a especialidade que estuda os hormônios. É uma área complexa e fascinante. Estudamos hormônios de vários tipos, várias glândulas, as interações entre elas e a atuação dos hormônios nos diversos órgãos. Sabemos da responsabilidade de prescrever hormônios e por isso somos tão cautelosos.
Para a tristeza dos endocrinologistas, o uso indiscriminado e abusivo dos hormônios na promessa de beleza e saúde eternas faz muito sucesso. Encontram um público que não tem medo dos hormônios, parte dele são pessoas imprudentes e a outra, pessoas desavisadas.
No outro extremo, há pessoas que têm verdadeiro pavor de utilizar hormônios, pensando apenas nos seus efeitos colaterais, alguns já superados por novos medicamentos. São pessoas que precisam de tratamento, mas não utilizam hormônio achando que é perigoso.
Nem tanto ao céu, nem tanto à terra…
Se você tem ainda dúvida sobre a utilização de hormônios, procure o seu médico e, se preciso for, um endocrinologista.
P.S. Para as referências, siga os links no texto.
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Espero ver você mais vezes!
Um forte abraço,
Suzana