A obesidade sarcopênica é situação no mínimo curiosa, pois há, ao mesmo tempo, excesso de gordura e falta de músculo no corpo. Essa condição tem grandes impactos sobre a saúde de jovens e, pricipalmente, de pessoas idosas. Esse post comenta sobre o que é obesidade sarcopênica, quais os mecanismos que levam a esse cenário, o seu diagnóstico e as bases do tratamento.
Introdução
O pico de massa muscular acontece a partir da terceira (alguns textos falam quarta) década de vida. Dessa faixa etária em diante, todos nós teremos perda progressiva de massa muscular como resultado do processo natural e fisiológico de envelhecimento.
A progressiva perda de massa pode resultar na sarcopenia, cujo termo deriva do grego saxr (carne) penia (perda).
Ao mesmo tempo que se perde músculo, se ganha gordura com o passar dos anos. Como a redução da massa muscular é fisiológica, alguns autores consideram que a redução da massa muscular deve vir acompanhada de diminuição de força ou do desempenho físico para cunhar o diagnóstico de sarcopenia com doença.
A sarcopenia é tida como um dos principais fatores de risco para síndrome de fragilidade e inabilidade física em pessoas idosas, tornando-as mais suscetíveis a quedas, fraturas e menos autônomas nas tarefas do dia a dia e com maior risco de morbi-mortalidade. Para que se tenha uma velhice menos dependente e limitada, poupar músculo é fundamental!
Mecanismos fisiológicos e fisiopatológicos da obesidade sarcopênica
O termo “fisiológico” se refere aos processos naturais que habitualmente acontecem ao longo da vida dos indivíduos. Entre eles, podemos citar a puberdade, a gravidez, a menopausa e o envelhecimento. O termo “fisiopatológico” é denota algum mecanismo ou processo anormal que resulta em disfunção orgânica ou doença.
As alterações fisiológicas e fisiopatológicas comentadas a seguir, quando associadas ao desbalanço energético e sedentarismo, podem levar ao quadro de obesidade sarcopênica.
Mudanças na composição corporal, gordura ectópica e termogênese adaptativa
Como já comentado anteriormente, a composição corporal muda com o envelhecimento. Há redução progressiva da massa magra, componente corporal metabolicamente mais ativo e que contribui de forma significativa para queima calórica. O acúmulo de gordura pode sofrer influência da diminuição dos outros componentes do gasto energético diário total, como a redução do efeito térmico do alimento e redução do gasto relacionado à atividade física, esquematizados na figura abaixo.

Mesmo sem ganho de peso, com o envelhecimento, é possível que haja redistribuição da gordura subcutânea para lugares fora do habitual (gordura ectópica). A gordura aparece em tecidos como músculo e vísceras, podendo comprometer a função muscular e resultar em doenças como sarcopenia, diabetes tipo 2 e doença hepática gordurosa não-alcóolica.
O obeso tem um gasto energético maior que o magro. Explico melhor: o gasto metabólico basal é diretamente proporcional ao peso. O aumento de peso, por sua vez, é acompanhado por aumento no metabolismo basal e a redução do peso por diminuição no metabolismo. Sendo assim, o obeso tem metabolismo absoluto maior que o magro e que vai reduzindo à medida que ele emagrece. Mas a redução do metabolismo proporcionalmente ao peso no emagrecimento não é linear.
Sabe quando parece que você precisa cada vez mais esforço para emagrecer ou entra em um “platô” de peso? Ou ainda se você alcança o peso desejado tem que fazer esforço enorme para manter o peso e qualquer escorregadinha na dieta resulta em uns quilinhos a mais na balança de forma muito rápida? Pois bem, há uma explicação para isso: a redução do metabolismo basal pode ser desproporcionalmente maior que a perda de peso e/ou alteração da composição corporal. É o que se chama termogênese adaptativa, um mecanismo proteção contra a perda de peso. Diante das restrições calóricas, parece que você está atravessando um período catastrófico (como fome ou guerra) de falta de alimentos e deixa mais eficaz a poupança de calorias.
Alterações dos hormônios sexuais
A redução da produção dos hormônios sexuais é um processo fisiológico em mulheres e homens. Nas mulheres, a menopausa aumenta o peso e a quantidade de gordura corporal, principalmente a gordura visceral intra-abdominal; nos homens, a queda fisiológica da testosterona com a idade contribui para redução da massa muscular e do aumento da gordura corporal.
Aumento das vias inflamatórias
O excesso de gordura corporal ativa células de defesa que produzem uma série de substâncias que caracterizam um estado de inflamação crônica de baixo grau, próprio da obesidade. Substâncias como fator de necrose tumoral, leptina, interleucinas, proteína C reativa, ferritina estão aumentadas quando há excesso de gordura corporal. Alguns desses fatores inflamatórios levam ao quadro de resistência à ação da insulina.
Já é bem conhecido que a obesidade e o diabetes tipo 2 têm em comum a resistência à ação da insulina. Vimos em um post anterior que a insulina é um hormônio primordialmente anabólico, ou seja, contribui para a formação de tecidos. Uma vez que a insulina não age bem quando há resistência ou deficiência de insulina, o diabetes também está relacionado à redução de massa muscular. Por sua vez, a redução da massa muscular reduz a motivação para atividade física e com isso perpetua um ciclo vicioso que colabora com a instalação ou piora da obesidade sarcopênica e diabetes.
Mecanismos miocelulares
Vários mecanismos miocelulares podem explicar a redução da massa e massa muscular, incluindo atrofia de fibras musculares, redução de neurônios motores, depósito de colágeno e necrose de fibras. O envelhecimento estimula a infiltração de gordura no músculo, que pode afetar negativamente a sarcopenia, como já comentado nos parágrafos anteriores.
Citocinas e pequenas proteínas musculares (conhecidas como mioquinas) afetam o não só o músculo e mas também outros tecidos à distância Entre as mais comentadas estão a miostatina e a irisina. A miostatina tem efeito negativo sobre o músculo, inibindo a diferenciação e crescimento das células musculares.
A irisina merece um parágrafo à parte. É uma mioquina liberada pelo exercício físico e muito estudada nos últimos anos. O seu nome foi inspirado da deusa Íris, que era uma mensageira de boas novas divinas na mitologia grega. A produção de irisina foi correlacionada ao aumento da massa magra, aumento do metabolismo (por induzir a transformação do tecido gorduroso branco para o marrom ), além de melhorar a utilização de glicose pelo músculo. Mais recentemente, a irisina mostrou ter papel protetor contra desenvolvimento da demência. Por último, pesquisadores brasileiros observaram que a irisina em células gordurosas humanas modulam genes relacionados à infecção pelo coronavírus.
Falta de atividade física
O sedentarismo contribui para diminuição de massa e força muscular, principalmente em idades mais avançadas. A atrofia muscular dificulta ainda mais a prática de atividade física.
Diagnóstico da sarcopenia
A obesidade já é um tema bastante conhecido e comentado, já que a sociedade vivencia esse problema de forma crescente nas últimas décadas. Diferentemente da obesidade, que tem definições claras, como pelo cálculo do índice de massa corporal ou porcentagem de gordura, a sarcopenia ainda não tem critérios diagnósticos universais.
Em 1998, Baumgartner e colaboradores definiram sarcopenia como a massa magra apendicular dividida por altura em metros ao quadrado, quando avaliada por densitometria de corpo inteiro (DEXA). A sarcopenia seria diagnosticada se o indivíduo estivesse dois desvio-padrão abaixo da média dos indivíduos jovens semehante ao diagnóstico de osteoporose ou baixa massa óssea na densitometria óssea. Esse princípio também é utilizado na bioimpedância corporal tetrapolar com pontos de corte sugerido para sarcopenia: <7,25 kg/m2 para homens e < 5,5kg/m2 em mulheres.
Em 2010, uma força tarefa europeia para estudo da sarcopenia publicou critérios para o diagnóstico dessa doença em pessoas idosas, a EWGSOP (European Working Group on Sarcopenia in Older People. O grupo se reuniu novamente em 2018 (EWGSOP2) para revisão desses critérios. Eles definiram que a sarcopenia é uma falência muscular mais comum em pessoas idosas, mas que pode acometer pessoas jovens também. O consenso europeu define como principal característica da sarcopenia a redução da força muscular, orienta o uso de métodos para determinar a quantidade e qualidade do músculo, e identifica a baixa performance física como indicativo de sarcopenia grave, como os exemplificados abaixo.

Infelizmente, o documento europeu não contempla a “obesidade sarcopênica” no escopo da diretriz, mas resolvi aqui colocá-los a título entendimento do componete “sarcopenia”.
Tratamento da obesidade sarcopênica
Dietético
Para o tratamento da obesidade, é fundamental a restrição calórica, isso é fato! Só que essa restrição deve garantir uma boa quantidade de proteína para minimizar a perda de músculo durante o processo de emagrecimento. Em pessoas SEM sarcopenia, a ingesta de proteína diária deve no mínimo de 0,8g/kg, em média 1,0g/kg. Quantidades maiores de proteína, de 1,0 a 1,2g/kg por dia podem ser consideradas em pacientes com obesidade sarcopênica, observando-se o impacto sobre a função renal.
A qualidade e o tipo de fonte da proteína, além do horário da sua ingesta podem ser otimizadas com a finalidade de poupar ou aumentar a massa muscular.
Atividade física
Não há sombra de dúvidas acerca do benefício da atividade física para a saúde física e mental. Na obesidade sarcopênica, a atividade física é um dos pilares do tratamento. Deve-se associar atividade física aeróbica à exercícios resistidos (como musculação) com objetivo de perda de peso, preservação da massa magra, aumento da força muscular e de obtenção de todos os benefícios metabólicos da atividade física.
Tratamento adjuvante medicamentoso
Quando necessário, devemos considerar as medicações antiobesidade como adjuvante à dieta e à atividade física para perda de peso. As medicações aprovadas para o tratamento da obesidade no Brasil são a sibutramina, orlistate e liraglutide e suas contraindicações devem ser cuidadosamente observadas na faixa etária mais avançada.
A obesidade afeta negativamente a produção de testosterona e sabemos que esse hormônio é importante para aumento e manutenção da massa muscular. O emagrecimento por si só já pode aumentar os níveis de testosterona. Apesar do aumento de massa muscular induzido pela testosterona, não há evidências claras do benefício da sua SUPLEMENTAÇÃO nos casos de obesidade sarcopênica. Mais uma vez, pondero que os deve-se usar a testosterona em casos de DEFICIÊNCIA comprovada desse hormônio EM HOMENS. As sociedades médicas de endocrinologia não recomendam a suplementação de testosterona para obesidade sarcopênica.
Considerações finais
A obesidade sarcopênica é via final da confluência de dois fenômenos atuais: o aumento da obesidade e o envelhecimento da população.
Dieta hipocalórica com bom aporte de proteínas, exercícios físicos aeróbicos e resistidos são pilares do tratamento da obesidada sarcopênica. Mesmo se você não for obeso, a atividade física promove muitos benefícios além da perda de peso, como manter seu músculo para que tenha uma velhice mais autônoma e saudável.
A fórmula mágica (mas que todo mundo a conhece), a de dieta mais atividade física para o tratamento da obesidade e aumento da massa muscular é simples, mas não é fácil! O primeiro passo para lidar com a obesidade sarcopênica pode ser pedir ajuda a um profissional de saúde de sua confiança.
Referências
- Batsis JA, Villareal DT. Sarcopenic obesity in older adults: aetiology, epidemiology and treatment strategies. Nat Rev Endocrinol. 2018;14(9):513-537. doi:10.1038/s41574-018-0062-9
- Wang M, Tan Y, Shi Y, Wang X, Liao Z, Wei P. Diabetes and Sarcopenic Obesity: Pathogenesis, Diagnosis, and Treatments. Front Endocrinol (Lausanne). 2020 Aug 25;11:568. doi: 10.3389/fendo.2020.00568.
- Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, Cooper C, Landi F, Rolland Y, Sayer AA, Schneider SM, Sieber CC, Topinkova E, Vandewoude M, Visser M, Zamboni M; Writing Group for the European Working Group on Sarcopenia in Older People 2 (EWGSOP2), and the Extended Group for EWGSOP2. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019 Jan 1;48(1):16-31. doi: 10.1093/ageing/afy169. Erratum in: Age Ageing. 2019 Jul 1;48(4):601. PMID: 30312372; PMCID: PMC6322506.
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