Dosagem de insulina e peptídeo C – do diabetes à hipoglicemia

Para que serve a dosagem de insulina?

Vamos nesse post comentar qual a utilidade da dosagem da insulina e do peptídeo C nas condições de resistência à insulina, passando pelo diabetes e, finalmente, pela hipoglicemia.

Mas antes de comentar sobre a dosagem de insulina, devemos considerar alguns fatos:

  • O aumento da glicemia é acompanhado pelo aumento da secreção de insulina, e a queda da glicemia é acompanhada da queda e da suspensão da secreção de insulina na hipoglicemia (modelo de feedback). A sincronia entre esses glicemia e insulina determina os níveis de glicemia considerados normais, conforme exemplificado na figura 1.
  • O aumento desproporcional da insulina circulante em relação à glicemia causa hipoglicemia enquanto a redução da ação (resistência) da insulina ou da sua secreção leva ao diabetes.
  • Medir a glicemia é já um dos exames de rotina para promoção de saúde em relação ao diabetes, principalmente nos casos de obesidade.
  • O peptídeo C é secretado em quantidades iguais à insulina produzida pelo pâncreas.
Metabolismo normal da insulina e glicose
Fig 1. Representação esquemática das variações da glicemia e insulina ao longo do dia, demostrando as variações de forma sincronizada entre as duas.

E onde se encaixa a utilidade da dosagem de insulina e do peptídeo C nessa história?

Uma dosagem de insulina de 10, 20 ou 40 µUI/mL é normal? A resposta é: depende da glicemia.

Já que a insulina no sangue está intimamente relacionada à glicemia, é imprescindível interpretá-las em conjunto. Vamos ver em detalhes como a dosagem de insulina é útil em diferentes situações. Quando a dosagem de insulina não é útil, podemos lançar mão do peptídeo C.

1. Dosagem da insulina na detecção da resistência à insulina

Para manter a glicemia normal, maiores quantidades de insulina são necessárias pois existe uma menor sensibilidade à ação desse hormônio em facilitar a entrada de glicose para dentro da célula.

Sabe-se que a resistência à ação da insulina está presente na síndrome metabólica, sendo um fator de risco para o desenvolvimento do diabetes tipo 2 e para outros tipos de doenças, tais como a síndrome dos ovários policísticos (SOP) e esteatose hepática.

Para determinar se a quantidade de insulina está desproporcionalmente alta para a glicemia, vários modelos matemáticos foram desenvolvidos, sendo o mais conhecido deles o HOMA-IR (do inglês, homeostatic model assessment). Muito utilizado nos estudos populacionais, o HOMA-IR tem maior facilidade de realização que o exame padrão para determinação de resistência insulínica, o clamp. As dosagens no JEJUM são consideradas para o cálculo.

Para o uso na prática clínica, ainda há de se considerar a metodologia e padronização do laboratório para interpretação dos resultados. Além dessas limitações metodológicas, se a pessoa tem sinais fortemente ligados à presença da resistência insulínica, como por exemplo: acantose nigricante, obesidade central, SOP associada à obesidade,  a determinação de HOMA-IR torna-se questionável. Quanto maior a resistência à insulina, maior o resultado do HOMA IR.  Os valores podem ser ajustados para o índice de massa corpórea (IMC).

homa
Tabela 1. Exemplo de resultados do HOMA-IR com os mesmos valores de glicemias e valores crescentes de insulina utilizando calculadora

2. Dosagem de insulina nas pessoas com diabetes

Não se costuma dosar a insulina em pacientes com diabetes bem controlada em uso de insulina exógena ou nos pacientes que estão tomando medicações que estimulam a secreção da insulina (secretagogos de insulina) a menos que haja dúvida no diagnóstico e planos para mudança de tipo de medicação.

Nos casos mais típicos de diabetes tipo 1 ou tipo 2, não há necessidade de dosagem de insulina, pois já é bem conhecida a fisiopatologia de cada uma das doenças. Quando há dúvida sobre o tipo de diabetes (se tipo 1, tipo 2 com falência pancreática, após pancreatite, MODY , LADA, etc), a dosagem não da insulina, mas do peptídeo C pode ajudar a diferenciar os tipos de diabetes e saber qual medicação será mais útil em controlar o diabetes.

Peptídeo C e determinação da secreção da insulina pelo pâncreas

A dosgem do peptídeo C reflete a quantidade de insulina que o pâncreas produz, já que é uma molécula que aparece a partir da clivagem da pró-insulina, como exemplificado na figura 2. Para cada molécula de insulina, uma molécula de peptídeo C é produzida, em termos técnicos, são moléculas produzidas de forma equimolar.

Em pacientes que já fazem uso de insulina, a medida da insulina no sangue dosa tanto a insulina injetada quanto a insulina produzida pelo pâncreas. Sendo assim, a dosagem de peptídeo C consegue espelhar apenas a insulina que o próprio pâncreas produz.

Se o peptídeo C é muito baixo, é possível inferir que a produção da insulina pelo pâncreas também é reduzida e será necessária a administração da insulina subcutânea para controle da glicemia; se a dosagem do peptídeo C é alta, o pâncreas ainda produz insulina, mas não suficiente para controlar a glicemia e precisa de medicação adicional.

Figura 2. Representação da quebra da pró-insulina com formação de uma molécula de insulina e uma molécula de peptídeo C

A determinação da produção de insulina endógena (reserva insulínica) a partir da dosagem do peptídeo C pode ser útil para diferenciação do diabetes tipo 1 de tipos raros de MODY. Se o peptídeo C é mais alto, podemos estar diante de um caso de MODY e a insulina pode ser substituída por uma sulfonilureia.

Na diferenciação de um quadro diabetes tipo 2 que necessitou de insulina ao diagnóstico de uma pessoa com diabetes tipo 1, há muita sobreposição dos valores de peptídeo C, quando este é dosado muito próximo ao diagnóstico. No início do diabete tipo 1, há uma fase em que a secreção de insulina não é tão reduzida e consegue controlar sem grandes dificuldades a glicemia, essa fase é conhecida por “lua de mel”. Após essa fase, no diabetes tipo 1 a reserva de insulina vai ficando acabando, da mesma forma no diabetes tipo LADA – com menor velocidade – enquanto no diabetes tipo 2, a reserva insulínica dura mais tempo e os níveis de peptídeo C estarão mais elevados que no diabetes tipo 1.

Para uma pessoa com diabetes tipo 2 em uso de insulina, mas com alguma reserva de insulina endógena, outras medicações podem ser consideradas, como aquelas que aumentam a sensibilidade à insulina e eventualmente mudança da insulina exógena para seus secretagogos (medicações que estimulam a secreção de insulina).

A dosagem de peptídeo C é preconizada para avaliar a reserva insulínica após 3 a 5 anos do diagnóstico. Pode ser dosado no basal (sem estímulo) ou em testes de estímulo com glucagon ou glicose.

3. Dosagem de insulina na investigação da hipoglicemia

É para investigação das causas da hipoglicemia que a insulinemia é mais útil e consagrada. Na hipoglicemia, a dosagem de insulina deve estar indetectável.

A hipoglicemia divide-se basicamente em dependente de insulina e não-dependente de insulina. Durante a hipoglicemia, a dosagem de insulina, peptídeo C e outros fatores semelhantes à insulina são realizados.

Hipoglicemia dependente de insulina

Nesse caso, a hipoglicemia é decorrente da ação desproporcionalmente alta da insulina em relação à glicemia. Para cada situação, as dosagens de insulina e peptídeo C são realizadas para tentar elucidar a causa. A seguir, veremos as situações mais comuns de hipoglicemia e qual o resultado esperado das dosagens de insulina e peptídeo C.

Em pessoas com diagnóstico de diabetes:

  • Administração excessiva de insulina exógena: níveis altos de insulina e níveis baixos de peptídeo C;
  • Excesso de secretagogos medicações que estimulam a secreção de insulina pelo pâncreas): níveis altos de insulina e ainda de peptídeo C.

Em pessoas sem diagnóstico de diabetes

  • Hipoglicemia reativa: dosagem de insulina e peptídeo C altos (acontece pós-refeição);
  • Tumores produtores de insulina (insulinomas): níveis altos de insulina e peptídeo C;
  • Outras causas raras.

A hipoglicemia recorrente pode levar à hipoglicemia sem sintomas de alerta e ser potencialmente grave.

Hipoglicemia não-dependente de insulina

Como o próprio nome já diz, nesses casos, a insulina não é o fator causador da hipoglicemia. Pode decorrer da falta de ingesta de calorias ou, muito mais raramente, por ação de substâncias semelhantes à insulina. Mais uma vez, o peptídeo C e a insulina são úteis.

  • Maioria dos casos de hipoglicemia no jejum – insulina e peptídeo C baixos;
  • Tumores não-insulinomas – produzem substâncias semelhantes à insulina. A dosagem de insulina e peptídeo C estarão baixas e a dosagem dessas substâncias semelhantes à insulina estarão altas.

Considerações finais

Em resumo, a dosagem da insulina é útil em casos bastante selecionados, principalmente na investigação de hipoglicemia. Portanto, a dosagem de insulina não deve ser considerada isoladamente, mas em conjunto com a glicemia nos casos de investigação de resistência à insulina. Para a avaliação da reserva insulínica no diabetes, o peptídeo C deve ser utilizado em lugar da dosagem de insulina.

Referências

  1. Calculadora para HOMA (em inglês)
  2. JONES, A. G.; HATTERSLEY, A. T. The clinical utility of C-peptide measurement in the care of patients with diabetes. Diabet Med, v. 30, n. 7, p. 803-17, Jul 2013. ISSN 1464-5491. doi: 10.1111/dme.12159

POSTS RELACIONADOS

Obrigada por ter chegado até aqui!

Se você gostou da leitura, não deixe curtir e de compartilhar o conteúdo.

Para receber em primeira mão as publicações, você pode se inscrever no blog ou me acompanhar pelas redes sociais. Os links estão no rodapé dessa página.

Espero ver você mais vezes!

Um forte abraço,

Suzana

O botão de doação abaixo é uma forma voluntária de contribuir para manutenção e aprimoramento do trabalho desse blog.

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.