O que é uma tireoidite ou tiroidite?
Tireoidites ou tiroidites é o termo geral utilizado para dar nome ao grupo de doenças que cursam com “inflamação da tireoide”.
As tireoidites podem se apresentar de diferentes maneiras. Por exemplo, a tireoidite de Hashimoto é a causa mais comum de hipotiroidismo; já a tireoidite pós-parto pode surgir com um quadro de tireotoxicose (altos níveis de hormônios tireoidianos no sangue), seguido por hipotireoidismo temporário; por outro lado, a tireoidite subaguda é o nome que se dá para a inflamação com sintomas locais, sendo a principal causa de dor na glândula. A tireoidite pós-parto é semelhante à tireoidite subaguda na sua evolução clínica.
Quadros de tireoidite podem se manifestar também em pacientes em uso de certos medicamentos, tais como interferon, lítio e amiodarona.
Os detalhes sobre as diversas formas de tireoidite serão comentados nesse post.
Quais são os sintomas das tireoidites?
As tireoidites podem se apresentar com quadros clínicos diversos, dependendo da rapidez em que ocorreu a inflamação da glândula.
Quando a destruição da glândula é lenta e progressiva, por exemplo, na tireoidite de Hashimoto, o quadro inicial é frequentemente o de hipotireoidismo, caracterizado por cansaço, ganho de peso, queda de cabelo, unhas quebradiças, constipação, intolerância ao frio, entre outros.
Se a destruição da tireoide é mais rápida, como acontece na tireoidite subaguda, indolor e pós-parto, pode haver sintomas decorrentes da elevação dos níveis de hormônios tireoidianos circulantes (chamamos de tireotoxicose a “intoxicação” por hormônios que acontece nestes casos). Esses sintomas podem ser ansiedade, insônia, palpitação, perda de peso, tremores, fadiga etc. À medida que a inflamação progride, há queda dos níveis hormonais e surgimento do hipotiroidismo.
As tireoidites são comumente de causa autoimune. Anticorpos atacam a glândula e a levam à sua própria destruição. Não se sabe bem por que há produção desses autoanticorpos, mas é comum haver uma concentração de casos na mesma família e em mulheres o que pode apontar para causas genéticas.
Como as tireoidites são diagnosticadas?
O diagnóstico é feito basicamente pela história clínica e exames laboratoriais de função tireoidiana (TSH e T4 livre) e dosagem de anticorpos. Em alguns casos, exames complementares para avaliar processo inflamatório ou infeccioso são úteis (vide quadro comparativo).
Como já foi comentado anteriormente, a tireotoxicose é resultante de (1) aumento dos níveis circulantes de hormônio tireoidiano por aumento da produção de hormônio, ao qual damos o nome de hipertireoidismo ou (2) da destruição da glândula – que causa liberação do hormônio pré-estocado nas suas células.
Para diferenciar essas duas situações – tireotoxicose da tireoidite da tireotoxicose do hipertireoidismo – o método diagnóstico utilizado é a cintilografia de tireoide marcada com iodo radioativo (I131 ou I123 ou tecnécio). Quando há hiperfuncionamento da tireoide (hipertireoidismo), há paralelamente aumento da captação desses marcadores pela glândula e aparecimento da imagem da tireoide de forma mais intensa que o normal de forma difusa ou localizada. Ao contrário, na destruição da glândula (tireoidite), a captação de iodo radioativo está reduzida (Fig1).

Fig 1. Cintilografias de tireoide com captação normal, aumentada (Doença de Graves) ou diminuída (tireoidite)
A ultrassonografia é um exame comumente solicitado quando há disfunção tireoidiana. Não deve ser solicitada como rotina, como em programas de check-up, por exemplo. O achado mais característico do ultrassom nas tireoidites é a alteração da ecogenicidade do parênquima (tecido) da tireoide. A ecogenicidade é característica do tecido de deixar passar com maior ou menor facilidade das ondas do ultrassom, resultando em formação uma uma imagem hipoecogênica (mais escura) ou hiperecogênica (mais clara), respectivamente.
Nas tireoidites (Fig 3 e 4), o tecido tireoidiano (parênquima) aparece hipoecogênico, em outras palavras, mais escuro que o normal (Fig 2) e com áreas de diferentes texturas (textura heterogênea). Não é raro que a alteração na textura da glândula simule nódulos (“pseudonódulos ou áreas pseudonodulares”) com nódulos reais, correndo-se os riscos de indicar punção aspirativa por agulha fina desses nódulos inexistentes e realizar um sobretratamento. Áreas de tireoidite puncionadas são classificadas na citologia com pertencente à categoria Bethesda II.

Qual a evolução clínica da tireoidite?
Tireoidite de Hashimoto – os pacientes apresentam hipotireoidismo ao diagnóstico.
Tireoidite indolor ou pós-parto – essas doenças são semelhantes e apresentam um quadro de tireotoxicose seguida por hipotireoidismo. A única diferença é que a tireoidite pós-parto aparece após uma gravidez; e a tireoidite indolor se manifesta em homens e em mulheres que não estiveram grávidas recentemente. Nem todos os pacientes demonstram evidência das duas fases (tireotoxicose seguido por hipotireoidismo):
- 1/3 dos pacientes manifestam as duas fases;
- 1/3 dos pacientes têm apenas a fase de tireotoxicose;
- 1/3 dos pacientes tem apenas a fase de hipotireoidismo.
A fase tireotóxica dura de 1 a 3 meses, e a fase de hipotireoidismo ocorre de 1 a 3 meses após esta, podendo durar de 9 a 12 meses. A maioria dos pacientes (80%) terão os níveis hormonais normalizados no intervalo de 12 a 18 meses após o início dos sintomas (Fig 5).

Tireoidite subaguda – segue as mesmas fases da tireoidite indolor e pós-parto, mas é acompanhada por quadro de dor em região anterior do pescoço. Entretanto, nem todos os pacientes com dor em tireoide terão necessariamente tireotoxicose. Cerca de 95% dos pacientes têm resolução das anormalidades dos hormônios tireoidianos no intervalo de 12 a 18 meses.
Tireoidite induzida por drogas e radiação – tireotoxicose e hipotireoidismo podem ser vistos nesse tipo de tireoidite. A tireotoxicose é de curta duração. O hipotireoidismo geralmente é resolvido após a suspensão da droga. Um exemplo clássico é o lítio, tema abordado no post anterior. O hipotireoidismo relacionado à radiação é geralmente permanente. A amiodarona é também uma das drogas que comumente causam tireoidite, com quadro de hipotireoidismo ou hipertireoidismo.
Tireoidite aguda/infecciosa – os sintomas podem incluir dor em região de tireoide e outros gerais, compatíveis com infecção (como, por exemplo, febre, mal-estar geral, perda do apetite). Os níveis de hormônios tiroidianos geralmente permanecem normais. A ultrassonografia pode evidenciar abscesso. O tratamento envolve uso de antibióticos e drenagem de abscesso, quando necessário.
Como é feito o tratamento das tireoidites?
O tratamento depende do tipo de tireoidite e da apresentação clínica (se na fase de excesso ou falta de hormônio).
Tireotoxicose (excesso de hormônios circulantes)– os betabloqueadores (como, por exemplo, o propranolol) para controle da frequência cardíaca e tremores. Com a melhora dos sintomas, a dose da medicação pode ser diminuída e posteriormente suspensa. Medicações antitireoidianas (para reduzir a produção hormonal) não são utilizadas, já que não há aumento do funcionamento da glândula, como por exemplo, na Doença de Graves.
Hipotiroidismo (deficiência do hormônio)– O tratamento indicado é a reposição com hormônio tireoidiano para tireoidite de Hashimoto. Para a fase de hipotireoidismo da tireoidite subaguda, indolor e pós-parto, a reposição com hormônio tireoidiano pode ser indicada se houver sintomas. Se o hipotireoidismo é leve e o paciente apresenta poucos ou nenhum sintoma, o tratamento pode ser desnecessário. Para esses últimos tipos de tireoidite, o tratamento deve ser continuado por um período de aproximadamente 6 a 12 meses e reduzido posteriormente, conforme monitorização dos níveis hormonais no sangue.
Dor cervical – pode ser tratada com anti-inflamatórios não hormonais. Em casos de dor mais intensa, o uso de prednisona pode ser indicado.
Resumo dos diferentes tipos de tireoidite
Tireoidite de Hashimoto (linfocítica) | |
Causa | Autoimune, anticorpos antitireoidianos |
Quadro clínico | Hipotireoidismo, raramente tireotoxicose transitória |
Diagnóstico | Testes de função tireoidiana e dosagem de anticorpos |
Duração e resolução | Hipotireoidismo é usualmente permanente |
Tireoidite Subaguda (de Quervain, granulomantosa, de células gigantes) | |
Causa | Possivelmente viral |
Quadro clínico | Tireoide dolorosa, tireotoxicose seguida por hipotireoidismo |
Diagnóstico | Testes de função tireoidiana, velocidade de sedimentação de hemácias, cintilografia de tiroide |
Duração e resolução | Retorno a função tireoidiana normal em 12 a 18 meses. 5% evoluem para hipotireoidismo permanente |
Tireoidite silente, silenciosa ou indolor | |
Causa | Autoimune, anticorpos antitireoidianos |
Quadro clínico | Tireotoxicose seguido por hipotireoidismo |
Diagnóstico | Testes de função tireoidiana e dosagem de anticorpos, cintilografia de tireoide |
Duração e resolução | Retorno a função tireoidiana normal em 12 a 18meses. 20% evoluem para hipotireoidismo permanente |
Tireoidite pós-parto | |
Causa | Autoimune, anticorpos antitiroidianos |
Quadro clínico | Tireotoxicose seguido por hipotireoidismo |
Diagnóstico | Testes de função tireoidiana e dosagem de anticorpos, cintilografia de tireoide (contraindicada na amamentação) |
Duração e resolução | Retorno a função tireoidiana normal em 12 a 18 meses. 20% evoluem para hipotireoidismo permanente |
Induzida por medicamentos | |
Causa | Amiodarona, lítio, interferon, citoquinas |
Quadro clínico | Tireotoxicose ou hipotireoidismo |
Diagnóstico | Testes de função tireoidiana e dosagem de anticorpos |
Duração e resolução | Contínua à medida que a droga é usada |
Induzida por radiação | |
Causa | Após tratamento com iodo radioativo para hipertireoidismo ou radiação externa para certos cânceres |
Quadro clínico | Ocasionalmente tireotoxicose, mais frequente hipotireoidismo |
Diagnóstico | |
Duração e resolução | Tireotoxicose é transitória, hipotireoidismo é usualmente permanente |
Tireoidite aguda | |
Causa | Principalmente causada por bactéria, |
Quadro clínico | Ocasionalmente tireotoxicose, mais frequente hipotireoidismo |
Diagnóstico | |
Duração e resolução | Tireotoxicose é transitória, hipotireoidismo é usualmente permanente |
Considerações finais
- As tireoidites são causa comum de hipotireoidismo, principalmente a Tireoidite de Hashimoto;
- As tireoidites subaguda, silenciosa e pós-parto cursam com recuperação da função tiroidiana na maioria das vezes;
- A cintilografia de tireoide pode diferenciar a tireotoxicose por destruição da glândula (tireoidite) do hipertireoidismo (por exemplo, Doença de Graves ou nódulo tóxico);
- A ultrassonografia pode evidenciar áreas que simulam nódulos (áreas pseudonodulares);
- O tratamento, quando necessário, é feito para controle dos sintomas de tireotoxicose seguido ou de reposição dos hormônios tiroidianos.
Referências
- Página da American Thyroid Association sobre tiroidite (em inglês): https://www.thyroid.org/thyroiditis/
- Shrestha RT, Hennessey J. Acute and Subacute, and Riedel’s Thyroiditis. [Updated 2015 Dec 8]. In: Feingold KR, Anawalt B, Boyce A, et al., editors. Endotext [Internet]. South Dartmouth (MA): MDText.com, Inc.; 2000-. Capítulo de livro (em inglês). Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK285553/
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