Amenorreia hipotalâmica funcional

Quando eu ouço o termo amenorreia hipotalâmica funcional (AHF) eu sempre me lembro das ginastas que param de menstruar por conta de muito treinamento ou da tríade da mulher atleta. Essa tríade é composta por:

  1. amenorreia (ausência de menstruação);
  2. osteoporose ou baixa massa óssea;
  3. transtorno alimentar.

É um problema bastante desafiador em termos de tratamento, já que é necessário que essas adolescentes e mulheres façam menos exercício e ganhem peso, e muitas vezes elas não estão dispostas a isso.

A amenorreia é “hipotalâmica” porque há um problema na secreção de um hormônio que estimula a hipófise para liberar na circulação as o FSH e o LH (link hormônios e gravidez) – o GHRH, ou hormônio liberador de gonadotrofinas. Com a falta de estimulação do ovário pelo FSH e LH, a mulher para de menstruar.

Esse diagnóstico é de exclusão. O que quer dizer isso? Antes de dar o diagnóstico é necessário afastar outras causas de amenorreia, como aumento de prolactina, síndrome dos ovários policísticos (SOP), problemas da função da tireoide, adrenais, transtornos psiquiátricos e mal formações cerebrais ou do sistema reprodutor feminino, além de gravidez. Nesse transtorno, existe um quadro de falta de ovulação persistente (anovulação crônica) sem causa orgânica aparente e por isso se chama “funcional”.  

Além de gravidez, a SOP e A AHF são as causas mais comuns de amenorreia em mulheres que já tiveram sua primeira menstruação. De forma geral, as principais causas que levam a AHF são:  perda de peso, e/ou exercício vigoroso, e/ou estresse. Mais estudos são necessários para saber o limite de exercício ou da restrição calórica para que uma mulher desenvolva AHF. Cada mulher pode ter um limite diferente.

As complicações da amenorreia hipotalâmica incluem infertilidade, enfraquecimento dos ossos (osteoporose) e fraturas ósseas.

Como a AHF é um diagnóstico de exclusão, precisamos falar um pouco sobre as outras causas de amenorreia.

Causas de amenorreia

A lista de possíveis causas de amenorreia é bem grande e vou destacar alguns relativos ao tema e à área da endocrinologia (há links para vários temas).

A falta dos ciclos menstruais pode ser devido às seguintes condições:

Malformação congênita

Retardo constitucional do desenvolvimento

Condições genéticas do sistema nervoso central

Hiperprolactinemia

Dano à hipófise ou haste hipofisária

  • Tumores hiporfisários, hipotalâmicos ou cistos como craniofaringeoma
  • Doenças infiltrativas (hipofisite autoimune, germinoma, sarcoidose, tuberculose etv)
  • Irradiação
  • Cirurgia
  • Trauma

Outros

  • Transtornos alimentares
  • Atletas competitivos
  • Doenças crônicas
  • Transtornos do humor
  • Estresse ou doença psiquiátrica
  • Drogas

Tireoide

Adrenal

Ovários

  • Associados como altos níveis de gonadotrofinas (FSH e LH)
    • Agenesia ou disgenesia gonadal (ex – Síndrome de Turner)
    • Insuficiência ovariana
    • Ooforite autoimune (inflamação autoimune dos ovários)
    • Irradiação ou cirurgia dos ovários
  • Não associada com altos níveis de gonadotrofinas
    • Tumor secretor de estrógeno ou andrógeno
  • Causas relacionadas ao útero, vagina e hímen (ex – agenesia de útero e vagina, hímen imperfurado)

Avaliação hormonal de mulheres com amenorreia

Para diferenciar as causas de amenorreia secundária, precisamos saber interpretar diversos hormônios.

Como saber se é um problema no hipotálamo ou na hipófise? Para saber se é ou não um problema orgânico de deficiência de gonadotrofinas (problema da hipófise) pode ser feito um teste de estímulo pela administração de GnRH. Se houver aumento de FSH e LH no sangue após o GnRH, a conclusão é que se trata de amenorreia hipotalâmica funcional (já que o defeito está na secreção desse hormônio e a hipófise responde normalmente); e se não houver secreção desses dois hormônios, conclui-se que é um defeito dos gonadotrofos da hipófise (hipogonadismo secundário).

Abaixo, um painel das alterações hormonais segundo cada causa de amenorreia e anovulação crônica

Causas comuns de anovulação crônica e painel hormonal correspondente. nl – normal; nl baixo – próximo ao limite inferior da normalidade;
nl alto – próximo ao limite superior da normalidade; HAM – hormônio anti-Mulleriano; P – progesterona; PRL – prolactina; T – testosterona

Agora vamos voltar a falar mais especificamente da amenorreia hipotalâmica funcional

Amenorreia hipotalâmica funcional: em quem suspeitar?

Mulheres com ciclo menstrual persistentemente maior que 45 dias ou também aquelas com amenorreia por três meses ou mais.

A avaliação médica inclui uma história com foco na dieta, se há restrição acentuada ou transtornos alimentares como anorexia ou bulimia; alta carga de treinamento físico; perfil psicológico específico, como perfeccionismo, necessidade de aprovação social, expectativas sobre si e sobre os outros; flutuações de peso; padrão de sono; estressores; humor; padrão menstrual; fraturas; e abuso de substâncias.

Diagnóstico diferencial e avaliação  

Além dos exames laboratoriais gerais e hormonais, teste de gravidez, deve-se fazer uma densitometria óssea para qualquer adolescente e mulheres que estejam 6 meses ou mais sem menstruar e àquelas com indícios de desnutrição e/ou fragilidade óssea. A perda óssea pode ser por conta da deficiência de estrógeno e de nutrientes.

Se a amenorreia é primária, ou seja, a mulher nunca menstruou, uma avaliação da parte ginecológica pode ser necessária.

A ultrassonografia pélvica pode dar informações sobre a espessura do endométrio – mais fino se não há estímulo do estrógeno e mais grosso se há estímulo estrogênico persistente- e da morfologia dos ovários (se policísticos).

Após exclusão de gravidez, é comum receitar um progestágeno para ver se há sangramento, tentando simular um ciclo menstrual normal, pois a progesterona aumenta na segunda fase do ciclo após a ovulação e sua queda provoca o sangramento.

O objetivo do teste de progesterona é avaliar se as vias de saída da menstruação estão presentes e pérvias (útero, vagina e hímen) e ainda se há produção de estrógeno pelo ovário suficiente para estimular o endométrio.

Se não houver malformação ou obstrução do fluxo de saída da menstruação, vai haver sangramento alguns dias após o início do progestágeno SE o crescimento do endométrio tiver sido estimulado antes pelo estrógeno. Portanto, na ausência de obstrução, o teste da progesterona negativo fala que há uma deficiência estrogênica.

A progesterona também é utilizada para induzir sangramento Síndrome dos Ovários Policísticos e evitar que o endométrio se prolifere muito e haja risco de câncer no futuro.

Ciclo menstrual normal

Para o teste da progesterona, utiliza-se acetato de medroxiprogesterona (5 a 10mg/dia por 5 a 10 dias) ou progesterona micronizada (200 a 300mg/dia por 10 dias).

Causas

Há duas hipóteses sobre o desenvolvimento da AHF.A primeira hipótese e a mais clássica é que uma quantidade mínima de gordura corporal é necessária para o início da puberdade e para preservação da função reprodutiva e que substâncias produzidas pelas células adiposas como a leptina e a adiponectina são importantes para esses processos.

A segunda é uma hipótese do metabolismo de energia: os tecidos periféricos (ex – fígado, tecido gorduroso, estômago, duodeno e tronco cerebral) detectam reduções de energia em curto prazo. Isso faz com que vários hormônios e neuropeptídeos sejam secretados e estes alteram a regulação no tronco cerebral e afetem a secreção de GnRH.

Amenorreia hipotalâmica e Síndrome dos Ovários Policísticos

Já comentei em um post anterior que há muitos perfis de mulheres com SOP. Algumas vão ter resistência à insulina e outras não. As que têm resistência à insulina geralmente têm sobrepeso e se beneficiam de uma dieta pobre em carboidratos simples e com redução de calorias. Mas existem mulheres que não têm sobrepeso e nem resistência insulínica, porém, da mesma forma, iniciam uma dieta hipocalórica e restritiva e um programa de atividade física intenso pensando que poderiam se beneficiar como as que têm com resistência insulínica com essas mesmas medidas. O risco aqui é que essas mulheres mais magras desenvolvam também amenorreia hipotalâmica funcional sobreposta à Síndrome dos Ovários Policísticos.

É importante salientar que cerca de metade das pacientes com SOP e sem evidência de aumento dos hormônios masculinos (só oligomenorreia e alteração dos ovários na USG) podem ter também AHF.

Quando comparamos mulheres com apenas AHF com aquelas que têm AHF e SOP, essas últimas têm maior IMC, maior densidade mineral óssea, maiores níveis de LH e testosterona, e sinais de hiperadrogenismo (efeito do aumento dos hormônios “masculinos”) em relação às primeiras. Quando as mulheres que têm a combinação de AHF e SOP ganham peso, pode haver aumento dos níveis e efeitos dos andrógenos com persistência da irregularidade menstrual.

Tratamento da amenorreia hipotalâmica funcional

O tratamento multidisciplinar é necessário, incluindo apoio nutricional, psicológico e/ou psiquiátrico. Os esforços são direcionados redução do estresse, ganho de peso, melhora da nutrição e redução da carga de exercícios.

Se não houver retorno dos ciclos menstruais em adolescentes e mulheres após tentativas do retorno da menstruação com suporte nutricional, psicológico e dos exercícios físicos, a sugestão da Sociedade Americana de Endocrinologia é que seja utilizado estradiol na pele associado a ciclos de progesterona. A mesma entidade não recomenda o uso de pílula anticoncepcional com etinilestradiol pois há evidências que não melhorariam a parte óssea.

Não é indicado o uso de medicações para tratamento da osteoporose como bifosfonato, denosumab, e hormônios como testosterona e leptina para melhorar a densidade mineral óssea em adolescentes e mulheres com AHF.

Considerações finais

O tratamento da amenorreia hipotalâmica funcional parece não ser simples, pois é preciso convencer a mulher a ganhar peso e reduzir a atividade física e geralmente elas são resistentes a essas mudanças. Se não tratadas, as mulheres com AHF podem ter fraturas ósseas devido a um quadro de osteoporose.  

Mulheres com SOP podem ter também amenorreia hipotalâmica, caso também tenham perda de peso pela preocupação excessiva com a possibilidade de resistência insulínica e aumento da atividade física na ânsia de tratarem a síndrome.

Sem dúvida, esse problema é um dos mais desafiadores na área da endocrinologia e que necessita do apoio de toda uma equipe multidisciplinar.

Referência

Gordon CM, Ackerman KE, Berga SL, Kaplan JR, Mastorakos G, Misra M, Murad MH, Santoro NF, Warren MP. Functional Hypothalamic Amenorrhea: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2017 May 1;102(5):1413-1439. doi: 10.1210/jc.2017-00131. PMID: 28368518.

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