Para que serve a espironolactona?

Essa pergunta não tem resposta simples, pois a espironolactona é lembrada em  em diversas especialidades: na cardiologia, na nefrologia, na hepatolologia, na dermatologia e na endocrinologia. Dentro de cada especialidade, ela pode ser usada para mais de uma finalidade.

Vamos passear um pouquinho pelo uso da espironolactona nas diversas especialidades e nas diversas condições na endocrinologia.

A espironolactona é um esteroide sintético

Dessa eu não sabia e achei muito curioso: na sua estrutura molecular, a espironolactona tem os quatro anéis que caracterizam os hormônios esteroides produzidos nas adrenais e nas gônadas (ovários e testículos).

Figura 1. A estrutura básica dos esteroides tem 17 carbonos distribuídos em quatro anéis

Como já foi dito no post sobre as adrenais, os hormônios esteroides são muito semelhantes entre si e muitas vezes são confundidos nas dosagens hormonais. Eles ainda podem exercer efeitos cruzados em receptores de outros esteroides.

Figura 2. Hormônios esteroides adrenais e conversão periférca em testosterona e estradiol

Relembrando: os esteroides adrenais se dividem em mineralocorticoide, glicocorticoide e andrógenos. Por sua semelhança, eles são meio “promíscuos”, pois eles ocupam os receptores uns dos outros quando estão em excesso no sangue. Por exemplo, o cortisol, que é um glicocorticoide, na Síndrome de Cushing exerce efeito mineralocorticoide aumentando a pressão arterial, reduzindo o potássio, como vemos no hiperaldosteronismo primário e ainda pode ocupar os receptores dos andrógenos (hormônios masculinos), levando ao aumento de acne, pelos e alopecia, semelhante à hiperplasia adrenal congênita por deficiência da 21 hidroxilase.

Da mesma forma que os agonistas, os antagonistas desses hormônios esteroides podem ocupar os receptores de mais de um tipo de hormônio. Os agonistas são aqueles que estimulam o receptor e os antagonistas ocupam o receptor impedindo que os agonistas se liguem e exerçam seus efeitos metabólicos. 

Pois bem, a espironolactona é um antagonista do mineralocorticoides e, portanto, reduz a pressão arterial e aumenta o potássio. Está classificado como um diurético poupador de potássio. Lembram da insuficiência adrenal primária, que tem deficiência de aldosterona e há aumento do potássio e redução da pressão arterial? A espironolactona faz algo parecido, guardadas as devidas proporções.

Uso da espironolactona nas diversas especialidades médicas

Na cardiologia, a espironolactona é utilizada principalmente nas exacerbações de insuficiência cardíaca e ainda no tratamento da hipertensão arterial. Quem é mais experiente, vai lembrar da aldosterona como um diurético poupador de potássio. Em estudos antigos, a espironolactona reduziu até mortalidade na insuficiência cardíaca.

Na nefrologia, essa medicação é utilizada para distúrbios onde há perda de potássio pelo rim, e na hepatologia, nos casos de cirrose hepática.

Na dermatologia, a espironolactona é utilizada para tratamento da acne, do excesso de pelos (hirsutismo) e da alopecia androgenética (queda de cabelo de padrão masculino) e vamos entender um pouco mais do racional na dermatologia no próximo tópico.

Uso da espironolactona na endocrinologia

Chegou a nossa vez! Na minha especialidade, a espironolactona é lembrada no tratamento dos distúrbios das adrenais e quando a gente quer reduzir o efeito dos hormônios masculinos em problemas das adrenais e dos ovários. 

Por ser um antagonista mineralocorticoide, a espironolactona é a droga de escolha para tratamento clínico do hiperaldosteronismo primário, que é aquela doença do excesso da aldosterona que resulta em hipertensão grave e potássio baixo no sangue. Mas como eu falei no início, como outros esteroides, a espironolactona não é fiel ao receptor mineralocorticoide e pode bloquear o receptor androgênico quando usada em doses altas.

E quando é vantagem usar essa característica antiandrogênica da espironolactona? Em mulheres que tenham problemas com excesso de hormônios masculinos, como na síndrome de ovários policísticos e nos tipos de hiperplasia adrenal congênita que cursam com o aumento dos hormônios masculinos com a finalidade de controlar os sintomas do hiperandrogenismo (aumento dos hormônios masculinos). Também por esse motivo, a espironolactona é muito utilizada na dermatologia como já comentado.

Pela mesma característica antiandrogênica, a espironolactona é muito utilizada hoje em dia na hormonioterapia em mulheres trans.

Doses da espironolactona nas diversas condições

O que muda nesses vários tratamentos? Resposta: a dose utilizada. A espironolactona é comercializada em comprimidos de 25, 50 e 100mg. 

Doses baixas de espironolactona são utilizadas quando a finalidade é tratamento da hipertensão ou insuficiência cardíaca, geralmente 25 a 50mg ao dia.

No hiperaldosteronismo primário, doses maiores, de 100 a 400mg podem ser necessárias para controlar a pressão e normalizar o potássio.

Como efeito antiandrogênico, doses altas, de 100 a 200mg, podem ser necessárias nos casos de síndrome de ovários policísticos e hiperplasia adrenal congênita, e até 400mg ao dia para feminilização em mulheres trans.

Efeitos colaterais da espironolactona

Para quem não tem hiperaldosteronismo, o uso da espironolactona pode ter efeitos colaterais no balanço hidroeletrolítico, como o aumento do potássio.

Na esfera dos hormônios sexuais, a espironolactona pode causar redução do desejo sexual, disfunção erétil, dor e aumento das mamas (ginecomastia) em homens. Nas mulheres, pode causar também redução da libido sexual, irregularidade menstrual, dor e aumento das mamas. Esses efeitos colaterais são correlacionados com a dose.

Doses de até 100mg de espironolactona ao dia são bem toleradas em mulheres e raramente levam à descontinuação por conta desses efeitos colaterais.

Nas mulheres em idade fértil, é altamente recomendável (para não dizer obrigatório) que elas estejam utilizando algum método contraceptivo. O motivo é que a espironolactona pode causar problemas no feto masculino, por impedir o desenvolvimento normal da genitália pelo bloqueio do efeito dos hormônios masculinos no desenvolvimento desses órgãos.

Além dos efeitos colaterais clínicos, é importante avaliar as dosagens de sódio e potássio no sangue em pessoas que estejam utilizando a espironolactona para avaliar seu efeito terapêutico ou colateral.

Considerações finais      

A espironolactona é uma medicação antiga, usada para várias finalidades em diversas especialidades da medicina.

O conhecimento do mecanismo de ação é importante para o entendimento da utilização terapêutica e monitoramento dos efeitos colaterais.

Apesar dos efeitos colaterais se correlacionarem com a dose utilizada, a espironolactona é bem tolerada e, por isso, amplamente utilizadas na endocrinologia e dermatologia para redução ou bloqueio do efeito dos andrógenos nas mulheres cis e para feminilização nas mulheres trans.
Não esquecer da anticoncepção nas mulheres em idade fértil e na monitorização do potássio quando a medicação for utilizada para fins estéticos.

Essa espironolactona tem muitas faces, não acharam?

Referência

Spironolactone – Wikipedia

Os posts em PDF estão sendo revistos e atualizados. Em breve, estarão sendo disponibilizados.

Obrigada por ter chegado até aqui!

Se você gostou da leitura, não deixe curtir e de compartilhar o conteúdo.

Para receber em primeira mão as publicações, você pode se inscrever no blog ou me acompanhar pelas redes sociais. Os links estão no rodapé dessa página.

Espero ver você mais vezes!

Um forte abraço,

Suzana

O botão de doação abaixo é uma forma voluntária de contribuir para manutenção e aprimoramento do trabalho desse blog.

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.