Já é muito conhecido o fato do aparecimento de pedras na vesícula depois de uma cirurgia bariátrica. Na verdade, toda perda de peso rápida pode predispor ao aparecimento de cálculo biliar ou colelitíase, que são os termos técnicos para pedra na vesícula. Nesse texto, vamos ver sobre risco, mecanismo, profilaxia e tratamento da formação dos cálculos biliares após uma perda de peso rápida.
Cálculo biliar após cirurgia bariátrica
Estima-se 30% dos pacientes que são submetidos à cirurgia bariátrica por by pass gástrico ou Y de Roux desenvolvam doença biliar por conta da perda ponderal rápida.
O que seria a perda de peso rápida? Para cirurgia bariatria uma perda de peso de 1,5kg/semana. Uma perda de peso expressiva, que seria correspondente à redução de 25% do peso corporal inicial, também se relaciona com a formação das pedras na vesícula (Ref.1).
Mas esse fenômeno não é exclusivo da cirurgia bariátrica. A formação de cálculo biliar é descrita com dietas muito restritivas, como as dietas de muito baixa caloria ou VLCD e com as “canetinhas emagrecedoras”. Em suma, qualquer método que faça perder peso de forma rápida pode levar ao aparecimento de pedra na vesícula.
Cálculo biliar após análogos de GLP1 (“canetas emagrecedoras”)
Nos últimos tempos, com introdução de novas medicações potentes para perda de peso, temos que ficar atentos igualmente à essa complicação. Esse assunto já foi estudado com análogos de GLP1 como a liraglutida e semaglutida, o famoso Ozempic. O risco de colelitíase ou doença biliar aumenta cerca de 37% com o uso dessas medicações e é maior com doses mais altas e tempo prolongado de uso (Ref. 2).
Uma metanálise bem recente com a tirzepatida (Mounjaro) mostrou aumento em torno de 50% de doenças da vesícula e vias biliares e 67% de colelitíase em pacientes com diabetes e obesidade. Não houve aumento da frequência de colecistite e pancreatite. (Ref. 3)
Vamos entender agora por que essas pedras se desenvolvem na vesícula.
Sais biliares e circulação entero-hepática
Todo endocrinologista adora uma fisiopatologia. Problemas da vesícula e vias biliares são tratadas mais pelos gastroenterologistas e cirurgiões do trato digestivo. Mas vamos lá:
Os bile armazenada na vesícula contém os sais biliares. Eles são como detergentes e emulsificam as gorduras da alimentação para serem absorvidas no intestino (Fig 1).

Formação dos sais biliares e formação de cálculos – fisiopatologia
Os ácidos biliares fazem uma volta e retornam para o mesmo lugar, ele são produzidos no fígado, armazenados na vesícula e para o fígado voltam através da circulação entero-hepática (Figura 2).
Os ácidos biliares são sintetizados a partir do colesterol formando os sais biliares primários através de reações de hidroxilação. No fígado, os ácidos biliares primários são conjugados com aminoácidos taurina e glicina, formando os ácidos biliares conjugados, que são os sais biliares propriamente ditos (seta verde) (Figura 3).
Os sais biliares são armazenados na vesícula como bile e secretados durante uma alimentação. Cerca de 95% dos sais biliares são absorvidos no íleo terminal. Uma parte dos ácidos biliares primários não é absorvida, sofre ação de bactérias no intestino formando os ácidos biliares secundários (seta marrom), que são absorvidos no intestino (Figura 3)
As concentrações de colesterol, ácidos biliares e fosfolípides devem estar equilibradas na bile. Se houver concentração relativa maior de colesterol, pode haver formação de pedras dessa substância dentro da vesícula causando obstrução e inflamação da vesícula (colecistite). Aproximadamente, 80% das pedras na vesícula são compostas por colesterol.
perda de peso rápida e formação de pedras na vesícula – mecanismos
A obesidade por si só já é fator de risco para colelitíase. No emagrecimento rápido, há mobilização de grande quantidade de colesterol a partir do tecido gorduroso. Além disso, dietas muito pobres em gorduras e jejum prolongado podem não estimular a contração da vesícula. A vesícula estagnada por muito tempo, pode predispor à formação de cálculos biliares.
Além da perda de peso rápida, os análogos de GLP1 (liraglutida e semaglutida) e duais (tirzepatida) podem estar associados à formação de cálculos biliares pois inibem também a motilidade e retardam o esvaziamento da vesícula por suprimirem a secreção de colecistoquinina, hormônio intestinal liberado após uma refeição que estimula a contração da vesícula.
Perda de peso rápida e formação de pedras na vesícula – complicações
A pedra pode ficar na vesícula e inflamá-la (colecistite crônica ou aguda). Pode ainda migrar pelas vias biliares e obstruir o ducto que transporta a bile (coledocolitíase) ou o ducto em comum que leva bile e suco pancreático, podendo causar, respectivamente, problemas graves como inflamações vias biliares (colangite) e pancreatite pelo refluxo dos sais biliares causado pela obstrução da pedra. Todas essas complicações são graves e tratadas como emergências médicas, muitas vezes cirurgicamente (Figura 4).

Para prevenção de formação de cálculos biliares após cirurgia bariátrica, usa-se o ácido ursodesoxicólico ou ursodiol (UDCA). Essa substância foi primeiro identificada na bile de ursos polares, mas é também produzida por humanos através da ação de bactérias do intestino (ácido biliar secundário).
A ingestão de ursodiol reduz a absorção do colesterol no intestino e a saturação de colesterol na bile. Na prática clínica é usado como método não-cirúrgico para dissolução de cálculos biliares de colesterol.
Profilaxia e tratamento dos cálculos biliares após cirurgia bariátrica
Uma das práticas é fazer ao mesmo tempo a cirurgia bariátrica e retirar a vesícula de forma profilática, mesmo sem haver pedra no seu interior. Outro método é ficar vigilante quanto ao aparecimento dessa complicação e agir posteriormente se houver aparecimento das pedras ou sintomas sugestivos.
Se o paciente já tem pedra na vesícula ou tem muito risco de tê-la, a vesícula é geralmente retirada no mesmo tempo cirúrgico da cirurgia bariátrica.
Uso do ursodiol
Na bula, para dissolução de cálculos não radiopacos (de colesterol) e bile espessa (lama biliar) a posologia média é de 5 a 10 mg/kg/dia de ursodiol por via oral. Já para profilaxia da formação dos cálculos biliares, a posologia média de ursodiol fica entre 300 e 600 mg (após e durante as refeições e à noite) por um período de 4 a 6 meses, podendo chegar a 1 ano ou mais. Diarreia é o principal efeito colateral (Ref.4).
Abaixo, um diagrama de sugestão de manejo dos cálculos biliares após cirurgia bariátrica.

Considerações finais
A formação de pedra na vesícula pode ocorrer com qualquer método de emagrecimento que leve à perda de peso rápida. Com a cirurgia bariátrica, essa complicação é já bem conhecida e existe a recomendação de profilaxia desses cálculos na fase nos primeiros meses do pós-cirúrgico.
Os análogos de GLP1 e, principalmente, os análogos duais de GLP1/GIP levam à perda de peso significativa, semelhante ao que promove a cirurgia bariátrica. Pergunto-me se não seria o caso de adotarmos a profilaxia para formação de cálculos na vesícula semelhante ao que é feito na cirurgia bariátrica.
Qual a opinião de vocês?
Referências
- Ribeiro MA Jr, Tebar GK, Niero HB, Pacheco LS. Biliary complications associated with weight loss, cholelithiasis and choledocholithiasis. World J Gastrointest Pharmacol Ther. 2024 Jul 5;15(4):95647. doi: 10.4292/wjgpt.v15.i4.95647. PMID: 38983103; PMCID: PMC11229836.
- He L, Wang J, Ping F, Yang N, Huang J, Li Y, Xu L, Li W, Zhang H. Association of Glucagon-Like Peptide-1 Receptor Agonist Use With Risk of Gallbladder and Biliary Diseases: A Systematic Review and Meta-analysis of Randomized Clinical Trials. JAMA Intern Med. 2022 May 1;182(5):513-519. doi: 10.1001/jamainternmed.2022.0338. PMID: 35344001; PMCID: PMC8961394.
- Gong J, Gao F, Jiang K, Xie Q, Zhao X, Lei Z. Risk of biliary diseases in patients with type 2 diabetes or obesity treated with tirzepatide: A meta-analysis. J Diabetes Investig. 2025 Jan;16(1):83-92. doi: 10.1111/jdi.14340. Epub 2024 Nov 21. PMID: 39569606; PMCID: PMC11693576.
- Bula ursodiol (ursacol®)
Posts relacionados
Obrigada por ter chegado até aqui!
Se você gostou da leitura, não deixe curtir e de compartilhar o conteúdo.
Para receber em primeira mão as publicações, você pode se inscrever no blog ou me acompanhar pelas redes sociais. Os links estão no rodapé dessa página.
Espero ver você mais vezes!
Um forte abraço,
Suzana
O botão de doação abaixo é uma forma voluntária de contribuir para manutenção e aprimoramento do trabalho desse blog.





Você precisa fazer login para comentar.