Dislipidemia aterogênica: triglicérides altos e LDL pequeno e denso

O que é dislipidemia aterogênica?

O termo pode assustar um pouco, mas é um fenômeno bem frequente. Acontece bastante em quem tem obesidade, síndrome metabólica e diabetes. O colesterol LDL (ruim) é sempre tido como vilão, mas não podemos deixar de olhar para os triglicérides. Mesmo se os níveis de colesterol LDL estiverem baixos na vigência de altos níveis de triglicérides, as partículas de colesterol LDL menores podem ser mais problemáticas. Então, atenção quando o colesterol ruim está baixo, pode ser que não esteja tudo bem.

O termo “dislipidemia aterogênica” refere-se ao conjunto de alterações nos níveis de gorduras no sangue presentes no diabetes, da síndrome metabólica, da obesidade e do aumento da gordura abdominal, principalmente. Essas alterações aceleram o processo de deposição de gordura nos vasos sanguíneos (aterosclerose), e causam doenças cardiovasculares como infarto e acidente vascular encefálico (derrame).

Temos três características básicas da dislipidemia aterogênica:

  • Triglicérides elevados
  • Colesterol HDL baixo
  • Colesterol LDL relativamente normal, porém, como moléculas pequenas e densas

O problema que está por trás da dislipidemia aterogênica nas diversas doenças e síndromes está na deficiência da ação da insulina. O aumento da gordura abdominal na obesidade e síndrome metabólica resulta em resistência à ação da insulina. Já no diabetes, podemos ter tanto resistência à ação da insulina como diminuição dos seus níveis (deficiência) .

Qual o link entre resistência à insulina, diabetes e dislipidemia?

Já é bem conhecido a ação da insulina no metabolismo da glicose, mas ela age também no metabolismo das gorduras. Juntamente com outros hormônios, a insulina regula uma série de enzimas que agem no metabolismo das gorduras, as lipases – que quebram gordura. Quando a quantidade de ou ação da insulina é insuficiente, há deficiência no mecanismo de inibição dessas lipases, havendo maior quebra de gordura e com isso o aumento da quantidade de triglicérides circulantes no sangue.

Lembrando que, para que possam circular no sangue, os triglicérides e o colesterol são “empacotados” em moléculas chamadas de lipoproteínas. Cada lipoproteína carreia preferencialmente um tipo de gordura, no caso triglicérides ou colesterol.

A proporção dessas gorduras carreadas e o tipo de proteína e de apolipoproteína determinam os tipos das lipoproteínas, cujas características estão resumidas na tabela abaixo:

Caracteísticas das diversas lipoproteínas

Formação de partículas de colesterol LDL pequenas e densas

O aumento dos de triglicérides leva ao aumento nos níveis da lipoproteína VLDL  (principal carreadora do triglicérides) e diminuição do tamanho das lipoproteínas que carreiam o colesterol, tanto a HDL (colesterol bom) quanto a LDL (colesterol ruim). Isso ocorre pela ação de uma enzima chamada CETP (do inglês: cholesteryl ester transfer protein), que transfere de gorduras entre as lipoproteínas, trocando o excesso triglicérides a partir do VLDL pelo colesterol contido nas moléculas HDL e LDL.

Numa segunda etapa, o excesso de triglicérides recebido pelas HDL e LDL são quebrados pela lipase lipoproteica, resultando em diminuição do tamanho da HDL e fazendo com que ela seja retirada da circulação mais rapidamente. Já para as moléculas de LDL, a retirada dos triglicérides deixam as moléculas menores e mais compactas. Temos então são as famosas LDL pequenas e densas, mais susceptíveis a sofrerem transformações danosas de outras moléculas, como oxigênio e a própria glicose. Elas também penetrarem mais facilmente pelas paredes das artérias no processo de aterosclerose.

Mecanismo da dislipidemia aterogênica

Na prática, a gente conclui que as LDLs são pequenas e densas quando o pacinte tem triglicérides altos. Mas há ferramentas adicionais para se chegar a essa conclusão. E como seria isso? Como há apenas uma apolipoproteína B-100 (Apo B100) por cada LDL, a dosagem da apo B mede o número de partículas de LDL.

Veja a figura abaixo. Imagine que uma dosagem de colesterol LDL reduziu, mas se não houve redução do número de partículas de Apo B-100 (painel A), consequentemente foram geradas partículas de LDL pequenas e densas.

Já nos casos em que há redução do coleterol LDL e também do número das apo B-100, as partículas não são pequenas e densas em relação às primeiras; elas mantêm o seu tamanho original. Isso é o desejável no tratamento da dislipidemia (painel B).

Exemplo de redução do colesterol às custas da redução do tamanho da molécula (painel A) ou do número de moléculas (painel B)

A relação entre apo B (contida no LDL) e da apo AI (contida no HDL) também é considerada como um marcador de risco cardiovascular.

Já é sabido que o colesterol LDL elevado é um fator de risco para doenças cardiovasculares e as moléculas de LDL pequenas e densas são piores ainda. Para tentar minimizar o processo de aterosclerose no diabetes principalmente, os níveis de colesterol LDL (ou colesterol não-HDL) devem ser menores que na população que não tem diabetes.

Tratamento da dislipidemia aterogênica

Em relação ao tratamento da dislipidemia aterogênica, a melhora da resistência à insulina, seja pela perda da gordura abdominal, através por mudança de estilo de vida (perda de peso e atividade física) ou mesmo através de medicações, já pode ser suficiente para baixar os níveis de triglicérides sem necessidade de medicações próprias para reduzir as gorduras.

Muitas vezes é necessário o tratamento com medicamentos que reduzem o colesterol (estatinas) mesmo que os níveis do colesterol se apresentem normais se correlacionados aos valores de referência dados pelo laboratório. Por exemplo, o colesterol LDL deve estar < 100mg/dL em portadores de diabetes que não tenham tido uma cardiovascular, devendo ser menor ainda nos pacientes que já tiveram este tipo de complicação. As metas de LDL são individualizadas para cada paciente.

Nos casos de diabetes tipo 2 mais descompensado, quando há necessidade de medicações que secretam insulina ou a aplicação de insulina subcutânea, o tratamento resulta também em queda dos triglicérides paralelamente à queda da glicemia. A redução dos triglicérides é seguida de forma inversa pelo aumento do colesterol HDL e LDL. Deve-se rever se os níveis de colesterol ficarão no alvo após o controle dos triglicérides.

As medicações que diminuem os triglicérides (fibratos) são usadas em casos em que haja níveis muito elevados de triglicérides (>500mg/dL) com o objetivo de evitar pancreatite. Ainda é não está bem definido se a redução dos triglicérides reduz complicações cardiovasculares, apesar da longa discussão na literatura.

Muitas controvérsias na literatura sobre esse tema ainda existem. Na dúvida, não deixe de consultar seu médico.

Referências

http://www.myhealthywaist.org/the-concept-of-cmr/intra-abdominal-adipose-tissue-the-culprit/complications-of-intra-abdominal-obesity/atherogenic-dyslipidemia/

SATTAR, N. Revisiting the links between glycaemia, diabetes and cardiovascular disease. Diabetologia, v. 56, n. 4, p. 686-95, Apr 2013. ISSN 1432-0428.

FORTI, Neusa  and  DIAMENT, Jayme. Apolipoproteínas B e A-I: fatores de risco cardiovascular?. Rev. Assoc. Med. Bras. [online]. 2007, vol.53, n.3 [cited  2020-02-26], pp.276-282.   https://doi.org/10.1590/S0104-42302007000300029.

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Suzana

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