Incidentaloma adrenal

A história começa mais ou menos assim: o paciente chega ao consultório do endocrinologista falando que fez uma tomografia para investigar uma dor abdominal e na imagem apareceu um nódulo na adrenal. Poderia ser uma imagem para investigação de dor lombar ou cólica renal também.  Os incidentalomas são tumores descobertos ao acaso, como já descrito num post anterior. Na endocrinologia, o nome desse fenômeno aparece em títulos capítulos e artigos científicos sobre as massas adrenais.

Incidentalomas não são exclusivos da adrenal, mas também podem ocorrer na tireoide, hipófise e demais glândulas que são visualizadas na investigação de sinais e sintomas e órgãos anatomicamente próximos, mas não relacionados à glândula em questão. Esses tumores descobertos de forma incidental na tireoide são referidos como “nódulo de tireoide”; na hipófise, como “micro ou macroadenoma”, mas para a adrenal é que o termo “incidentaloma” é que escrevemos no prontuário e na solicitação de exames do paciente com frequência muito maior.

Esse texto foi baseado na diretriz europeia publicada em 2016 (1). Existem vários outros algoritmos de investigação e há diferenças de opinião quanto aos testes de investigação e tratamento, mas achei interessante trazer ideias recentes.

O QUE UM INCIDENTALOMA ADRENAL?

Por definição, um incidentaloma adrenal é uma massa assintomática detectada em exame de imagem realizado para investigação de outro problema que não da adrenal.  Não entrariam nessa definição as massas encontradas quando estamos mirando problemas nas adrenais, seja para confirmação topográfica de feocromocitoma em um paciente com crises de hipertensão e cefaleia e resultados de exames laboratoriais compatíveis, ou em pessoas que tem mutações genéticas que cursam com tumores nas adrenais e na investigação de metástases de tumores extra-adrenais, por exemplo. Nos incidentalomas, o alvo era outro e nos deparamos com um “elemento surpresa”.

Diante desse novo achado, o endocrinologista é comumente consultado. Inicialmente, precisamos responder a duas questões sobre essas massas incidentais:

  1. Se o tumor é benigno ou maligno
  2. Se o tumor tem produção hormonal (tumores produtores)

O TUMOR É BENIGNO OU MALIGNO?

A vasta maioria (80%) dos adenomas são benignos do córtex e não tem produzem hormônios em excesso (75%). Estudos de autopsia sugerem prevalência média de 2% (variação de 1,0 a 8,7%) de massas adrenais. Estudos radiológicos relatam 3% de incidentalomas por volta da 5ª década de vida e que aumenta com a idade, podendo chegar a 10% nos idosos. Nas crianças, as massas adrenais são raras e devem ser prontamente investigadas.

Para responder à primeira pergunta, a tomografia simples sem contraste em geral é suficiente.   Outros exames complementares são a tomografia com contraste, ressonância magnética e tomografia por emissão de pósitron com glicose marcada radioativamente (fluordesoxiglicose), o PET-FDG . Essa última em casos selecionados. Biópsias NÃO são recomendadas de rotina.

TC de abdome demonstrando nódulo adrenal

Se a tomografia simples de adrenal demostrar uma massa regular, homogênea, pequena, com baixa atenuação são bons sinais. A escala de Unidades Hounsfield (UH) é uma medida que estima a densidade do tecido conforme a atenuação que eles provocam no feixe de RX (Fig 1). Tumores que têm ≤ 10 UH é usualmente tido como um tumor rico em gordura e sugestivo de tumor benigno (adenoma). Para tumores de contornos regulares menores que 4 cm e com ≤ 10 UH, não é necessário fazer método de imagem adicional. Essa conduta é praticamente consenso entre as diversas diretrizes e textos.

Escala de Unidades Hounsfield
Escala unidades Hounsfield conforme grau de atenuação e correspondência com diversos tecidos

Para tumores maiores com > 10UH, a tomografia computadorizada com contraste ou ressonância magnética podem ser os próximos passos. Existem análises de técnicas utilizadas para diferenciar tumores benignos e malignos nesses dois métodos diagnósticos que são mais complexas e fogem ao objetivo desse texto.

O PET-FDG é utilizado na investigação metástase de tumores extra-adrenais, já que as células cancerígenas utilizam mais glicose que as células normais, fenômeno já comentado em outro post desse blog.

O TUMOR É PRODUTOR? 

Para responder à segunda pergunta, precisamos lançar mão dos exames e alguns testes laboratoriais. Dessa forma, devemos ter em mente quais são os hormônios produzidos pela adrenal. A adrenal possui dois compartimentos: o córtex, que tem como produtos finais:  cortisol, aldosterona e precursores de hormônios sexuais masculinos; e a medula, secretora das catecolaminas (Fig 2).

Hormônios produzidos pela glândula adrenal
Fig 2. Hormônios produzidos pelo córtex e medula adrenal
Avaliação da produção de cortisol

Se o tumor produz algum hormônio em excesso, o mais comum é que produza cortisol. É sugerido que todos os pacientes com incidentalomas adrenais façam testes para saber se há produção autônoma, ou seja, que foge do controle da hipófise. A secreção autônoma de cortisol é um termo atualmente sugerido em relação ao termo Cushing subclínico, pois pode NÃO haver progressão para forma clínica da Síndrome de Cushing. Na realidade, essa condição não deve ser considerada um forte fator de risco e de inexorável evolução para síndrome clínica, caracterizada por obesidade, diabetes, hipertensão, osteoporose, atrofia muscular, estrias e hematomas cutâneos.

As Diretrizes da Sociedade Europeia de Endocrinologia sugerem o teste de supressão com 1mg de dexametasona como padrão para avaliar a produção autônoma de cortisol.

Se partirmos do princípio de que a administração exógena (medicamento) normalmente suprime a produção de cortisol pela adrenal, na produção autônoma, teríamos níveis de cortisol maiores que o esperado para essa situação. Nesse teste, a dose 1mg de dexametasona (geralmente dois comprimidos de 0,5mg) é tomada pelo paciente na noite anterior à coleta matinal do cortisol no sangue. Para os profissionais de saúde, é importante explicar ao paciente que os valores possivelmente virão diferentes dos valores de referência do laboratório e avisar ao laboratório que o a dosagem do cortisol é pós uso de dexametasona. Como todo teste diagnóstico, há situações de teste falso positivos e negativos, entre elas.

Condições muito comuns,  como obesidade e depressão, podem dar resultado falso positivo no teste de supressão com dexametasona e simulam produção autônoma.

Em alguns textos, os resultado pode vir de forma dicotômica, mas o texto-base sugere três possibilidades, conforme figura abaixo (Fig 3).

Avaliação da secreção autônoma de cortisol
Avaliação da secreção autônoma de cortisol – teste de supressão com 1mg de dexametasona

Nos casos de produção autônoma de cortisol possível ou confirmada, deve-se investigar ativamente diabetes, hipertensão e osteoporose. Se houver presença dessas complicações, a cirurgia para retirada do tumor é geralmente indicada.

Avaliação de produção de catecolaminas

Excluir feocromocitoma sempre– confira post sobre o assunto.

Avaliação da produção de aldosterona

Em pacientes hipertensos graves com ou sem com baixos níveis de potássio no sangue sem explicação clara (ex – uso de diurético), é recomendado avaliar o excesso de produção de aldosterona, ou seja, um quadro de hiperaldosteronismo primário (Síndrome de Conn).

Avaliação da produção de hormônios sexuais e seus precursores

Os hormônios sexuais e seus precursores devem ser solicitados para pacientes com evidência clínica ou achados sugestivos de malignidade em exames de imagem. Os achados clínicos de altos níveis de hormônio masculino em mulheres (excesso de pelos, acne, aumento de massa muscular, engrossamento da voz e aumento do clitóris) são mais facilmente identificados. Precursores dos hormônios sexuais produzidos na adrenal (DHEA-S, DHEA, androstestenediona, 17-hidroxiprogesterona) em ambos os sexos, testosterona e mulheres e estradiol em homens são exames sugeridos na investigação quando quadro clínico sugestivo.

Tratamento e acompanhamento 

O tratamento raramente é cirúrgico. A recomendação é que NÃO seja realizada cirurgia em pacientes assintomáticos, com massa unilateral e sinais radiológicos benignos.

A cirurgia estaria indicada para retirada da adrenal acometida (adrenalectomia) nos tumores produtores com repercussão clínica significativa OU com sinais de malignidade ou duvidosos para malignidade nos exames radiológicos.

Para massas bilaterais, a abordagem inicial é semelhante às massas unilaterais, mas outras doenças próprias da adrenal devem ser consideradas, como hiperplasia adrenal congênita, ou extra-adrenais outros tipos de lesão e hemorragias. A retirada das duas adrenais é considerada em casos extremos de excesso de cortisol (Síndrome de Cushing). Em casos selecionados, pode ser considerada a retirada apenas da adrenal mais comprometida. Como vimos, a adrenal é uma glândula complexa e que produz muitos hormônios. A reposição hormonal é não é uma tarefa simples.

Em tumores benignos maiores que 4cm, a cirurgia era formalmente indicada. Alguns especialistas sugerem acompanhamento com exames de imagem em 6 a 12 meses e individualizar tratamento.

Tumores radiologicamente benignos e menores que 4cm não necessitariam investigação posterior, mas essa sugestão não é totalmente aceita. Um artigo publicado um ano depois sugere  avaliação bioquímica e radiológica por pelo menos CINCO ANOS e questiona alguns coneitos e recomendações do consenso europeu (2). Particularmente, acho prudente fazer um acompanhamento mais longo.

Veja abaixo um algoritmo de manejo dos incidentaloma.

Mandejo do incidentaloma adrenal. Modificado de Endotext (3)

Considerações finais

Em tempos de excesso de exames, os incidentalomas de forma geral são cada vez mais frequentes e na adrenal não poderia ser diferente. As recomendações desse texto são baseadas em um consenso, que são acordos entre especialistas no assunto sobre as evidências científicas e servem geralmente respaldo para mihares de médicos . Mas tudo que se diz nos guidelines deve ser minuciosamente avaliado para ver avaliar o nível de evidência e grau de recomendação. A flexibilização das condutas sugeridas nos algoritimos que respeitem as particularidadedes do caso, desejo do paciente, experiência do médico e novas boas evidências científicas são essenciais. A medicina não é ciência exata!

Um tumor em qualquer lugar pode assustar, principalmente em um órgão que não é tão conhecido assim como a adrenal, mas há de se ter calma nesse momento! A grande maioria dos incidentalomas adrenais são tumores benignos e raramente necessitam de cirurgia. Essa é a mensagem que gostaria de deixar por último.

Referências

  1. FASSNACHT, M.  et al. Management of adrenal incidentalomas: European Society of Endocrinology Clinical Practice Guideline in collaboration with the European Network for the Study of Adrenal Tumors. Eur J Endocrinol, v. 175, n. 2, p. G1-G34, Aug 2016. ISSN 1479-683X. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27390021 >.
  2. MORELLI, V.  et al. Follow-up of patients with adrenal incidentaloma, in accordance with the European society of endocrinology guidelines: Could we be safe? J Endocrinol Invest, v. 40, n. 3, p. 331-333, Mar 2017. ISSN 1720-8386. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27744612 >.
  3. Endotext – Adrenal incidentaloma 

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