Tireoidite de Hashimoto, Doença de Graves e anticorpos contra tireoide

Anticorpos contra tireoide e racional para solicitá-los

Será que é mesmo apropriado pedir anticorpos contra tireoide de rotina?

Tem sido cada vez mais frequente, nos exames solicitados como “rotina”, recebermos resultados de função tiroidiana, representada pelos exames de TSH e T4 livre. Eles podem vir ainda acompanhados dos anticorpos contra tireoide numa primeira “bateria” de exames complementares.

Em muitos casos, os autoanticorpos foram solicitados fora de um contexto, como, por exemplo, para complementar a investigação dos exames que avaliam o hipotireoidismo e o hipertiroidismo (TSH e T4livre), ou ainda se a tireoide está aumentada de tamanho (bócio).

Sendo assim, muitos pacientes chegam ao endocrinologista com os resultados de anticorpos positivos, mas com exames de função tiroidiana (TSH e T4 livre) e ultrassonografia de tireoide normais. Ainda há casos em que os anticorpos são solicitados de forma isolada.A solicitação de anticorpos de forma isolada não é recomendada. Vamos ver quais as indicações apropriadas nos próximos parágrafos.

Quando solicitar o exame de anticorpos contra tireoide?

De fato, a doença autoimune da tireoide é apontada como a doença autoimune mais comum, atingindo cerca de 2% das mulheres e 0,2% dos homens na sua forma clínica e talvez por isso os anticorpos sejam tão solicitados.

Há uma forte evidência de predisposição genética dessas doenças. Isso é bem observado pelo fato de vermos vários membros de uma mesma família afetados pelas doenças autoimunes da tireoide, seja com quadro de hipo ou de hipertireoidismo.

As formas de disfunção tireoidiana mais leves, quando os sintomas ou sinais não estão claramente presentes, denominadas de “formas subclínicas” podem ser até dez vezes mais frequentes que as formas denominadas “clínicas” (quando os sinais e sintomas estão claramente presentes). Nas disfunções subclínicas, os anticorpos podem definir ou não se o paciente deve ser tratado com medicação.

Entretanto, existem casos de hipotireoidismo e hipertiroidismo que não são autoimunes, e os anticorpos ajudam principalmente em saber qual a causa das dessas disfunções. Dentre as possibilidades de causas não-imunes, estão a tireoidite subaguda, a tireoidite pós-parto e a infecciosa. O quadro clínico de cada uma e como diferenciá-las estão no post sobre as tireoidites.

Dentre os diversos quadros de tireoidite, existem aquelas decorrentes das doenças autoimunes da tireoide, que são a Tireoidite ou tireoidite de Hashimoto e a Doença de Graves.

HIPOTIREOIDISMO

Tireoidite de Hashimoto e anti-TPO

A tireoidite de Hashimoto é a principal causa de hipotireoidismo. Na Tireoidite de Hashimoto, o principal anticorpo envolvido no desenvolvimento da doença é o antitireoperoxidase ou anti-TPO, presente em cerca de 95% dos casos. Adicionalmente, o anticorpo antitireoglobulina ou anti-TG pode ser positivo em 80% dos casos de tireoidite de Hashimoto, entretanto pode estar presente também 11% da população geral.

A observação de que uma parcela não desprezível da população saudável tenha anticorpos contra a tireoide indica que a presença de anticorpos não significa, necessariamente, que o paciente tenha ou desenvolverá a doença.

Faz sentido solicitar os anticorpos quando o objetivo é complementar a investigação de uma doença da tireoide ou no seguimento após cirurgia de retirada da glândula por câncer. Para cada anticorpo há indicações específicas que veremos a seguir.

Anticorpo contra a tireoperoxidase (ANTI-TPO)

Situações indicadas:

  • Pacientes que tenham persistentemente um TSH acima do limite de referência com um T4 livre normal (hipotireoidismo subclínico);
  • Pacientes com bócio (aumento do volume da tiroide), independente da função tiroidiana;
  • Casos novos de hipotireoidismo primário (por falência da tiroide);
  • Casos novos de tireotoxicose, uma crise resultante do excesso de hormônio da tireoide, que pode ser resultado de destruição da glandular maciça (tireoidite)
  • Predição da tireoidite pós-parto em mulheres com maior risco (doença de tiroide prévia pessoal ou em familiar, outra doença autoimune – exemplo: diabetes tipo 1)

Situações em que não há indicação:

  • Se os testes de função tiroidiana (TSH e T4 livre) são normais e o paciente não tem bócio
  • Quando não há conhecimento dos testes de função tiroidiana
  • Se os anticorpos já foram solicitados anteriormente

Anticorpo contra tireoglobulina (ANTI-TG)

O anti-TG é quase sempre solicitado juntamente com o anti-TPO na investigação das doenças autoimunes da tireoide, mas ele tem uma correlação mais fraca para a tireoidite de Hashimoto que o anti-TPO. Com isso, ele fica então reservado para uma situação muito específica no acompanhamento do câncer de tireoide.

Situação indicada:

  • Para avaliar o risco de interferência laboratorial na dosagem de tireoglobulina no acompanhamento de câncer de tiroide.

Aqui vale um adendo: como a tireoglobulina é uma proteína quase exclusiva da tireoide, ela é solicitada para verificar se há ainda algum resto de tecido normal ou tumoral após a cirurgia de retirada total da tireoide (tireoidectomia) para tratamento do câncer. Sempre solicitamos o anticorpo anti-tireoglobulina para saber se confiamos ou não na dosagem de tireoglobulina no seguimento do câncer.

Quando o anti-TG é positivo, a medida da tireoglobulina é menos acurada pela interferência dos anticorpos.

HIPERTIREOIDISMO

Doença de Graves e TRAb

No outro lado do espectro do hipotireoidismo está o hipertireoidismo.

Ao avaliarmos o excesso de produção hormonal, outro grupo de anticorpos são quase sempre solicitados. Eles são os anticorpos contra o receptor do TSH (TRAb), que competem o hormônio TSH, produzido pela hipófise, na ligação com o receptor na tireoide. Os anticorpos podem tanto mimetizar como bloquear a ação do TSH.

Quando os anticorpos estimulam muito a tireoide (mimetizam a ação do TSH), há a formação do bócio (aumento do volume da tireoide) associada ao aumento da produção de hormônios tireoidianos. O bócio difuso com hipertireoidismo caracteriza a Doença de Graves.

TRAb na Oftalmopatia de Graves

Há um achado clássico, mas não obrigatório, da Doença de Graves que é o acometimento dos olhos. O TRAb faz com que a musculatura que fica atrás do globo ocular aumente de tamanho e empurre o olho para fora da órbita, fazendo protusão do globo ocular. Em uma linguagem mais popular, os olhos do doente ficam “saltados”, “esbugalhados”. Esse quadro é denominado oftalmopatia Graves.

TRAb na gestação

Em algumas gestantes, os anticorpos podem passar a placenta e estimular a tiroide do feto, mesmo que a mãe não tenha mais hipertiroidismo (se ela já tratou com medicação ou iodo radioativo ou fez cirurgia para retirada da tireoide). Dessa forma, o feto pode desenvolver um quadro de hipertireoidismo intrauterino, mesmo que a mãe esteja eutireoidea (com os níveis normais de hormônio tireoidiano).

Anticorpo contra o receptor de TSH (TRAb)

Sumariamente, as situações indicadas são:

  • Predizer o risco de hipertiroidismo neonatal em filhos de mulheres que tiveram o diagnóstico de Doença de Graves
  • Diferenciar a tireoidite pós-parto e a tireoidite subaguda da Doença de Graves

Considerações finais

Em conclusão, os anticorpos contra tireoide só devem ser solicitados quando os exames de função tireoidiana estão alterados, leia-se aqui TSH e T4 livre (principalmente o TSH).

Para os casos nos quais os anticorpos vieram positivos, mas com função tireoidiana normal (TSH e T4 livre normais), o que se indica é o acompanhamento periódico da função tireoidiana apenas. O objetivo é ver se a pessoa vai desenvolver alguma disfunção da glândula. Em outras palavras, dosamos apenas uma vez os anticorpos e depois continuamos a dosar apenas o TSH e T4 livre.

O tratamento medicamentoso deve ser feito apenas quando há alteração nos exames de função tiroidiana, ou seja, não se trata os anticorpos alterados, mas quando há hipotiroidismo ou hipertireoidismo.

Referência

SINCLAIR, D. Clinical and laboratory aspects of thyroid autoantibodies. Ann Clin Biochem, v. 43, n. Pt 3, p. 173-83, May 2006. ISSN 0004-5632. (artigo científico em inglês)

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