Variação do TSH na obesidade e baixo peso: causa ou consequência?

Os hormônios podem variar como consequência a problemas fora da tireoide. O protótipo desse efeito é a Síndrome do Eutireoideo Doente. Nessa síndrome, o T3 reverso pode subir e T3 pode baixar em consequência de uma doença grave fora da glândula. Esse fenômeno acontece com em até 60% dos pacientes gravemente enfermos.  O feedback eixo hipotálamo-hipófise-tireoide é dinâmico e se adapta a essas situações. O TSH também varia, com consequência ao novo ponto de equilíbrio.

Esse texto vai comentar sobre a alteração do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide nos casos de baixo peso (inanição) e obesidade graves. O TSH pode, sim, variar com o peso e não o contrário. A mudança do ponto de equilíbrio (homeostase) para se adaptar a uma nova situação é denominada de alostase.

Conceito de alostase

É uma reação dinâmica a um estrese que mantém o corpo em estabilidade através da mudança. Esse termo foi usado por Sterling e Eyer em 1988, ampliando o paradigma clássico da homeostase. Particularmente, achei muito interessante e explica bastante coisa na medicina.

HomeostaseAlostase
Ponto de equilíbrio constante ou oscilantePonto de equilíbrio deslocado
Equilíbrio fisiológicoEquilíbrio compensatório
Pouca ou nenhuma antecipação à demandaAntecipação à demanda ampla
Nenhum ajuste baseado na históriaAjuste baseado na história
Ajuste não acarreta um preçoAjuste e acomodação acarreta um preço (carga alostática)
Não patológicoPotencialmente leva a patologias
Tabela 1. Diferença entre homeostase e alostase

Se a carga alostática for mantida por muito tempo, pode haver uma sobrecarga alostática. Estresses repetidos também podem levar à sobrecarga, com consequências sérias à saúde. Há dois modelos de alostase: tipo 1, que as alterações dos hormônios tireoidianos levam à redução do T3 e tipo 2, onde há aumento do T3. Sugiro você dar uma olhada no post do Instagram sobre alostase para entender a carga e sobrecarga alostática.

Diagrama com as situações da variação do TSH, incluíndo as situações de alostase e interferentes na metodologia
Figura 1. Alostase tireoidiana tipo 1 e 2 e condições associadas. TACITUS – alostase tireoidiana no doente crítico, tumor, uremia e sepse. NTIS – síndrome não tireóidea do enfermo. Modificado de Ref. 1.

Alostase tireoidiana na restrição calórica e inanição

Relatos antigos da literatura já falavam que, nos estados de restrição calórica, o T3 é reduzido.

A Síndrome do T3 baixo é descrita em várias condições associadas com a privação energética, tais como anorexia nervosa, dietas livre de calorias na obesidade, treinamento militar com restrição calórica e outras situações que tenham déficit de ingesta calórica importantes. É um modelo do alostase tipo 1. Mesmo a perda de peso moderada leva à redução da desiodação pelas desiodases I e II (D1 e D2), responsáveis pela retirada do iodo na posição que transforma T4 em T3. Há redução do T3, que é o hormônio tireoidiano ativo.

Quando as D1 e D2 estão menos ativas, há aumento da ação da desiodases III (D3), que transformam o T4 em T3 reverso, uma forma inativa do hormônio tireoidiano. Alguns mecanismos podem estar envolvidos:

  1. Nos estados pós-alimentares, a insulina e os ácidos biliares estimulam a desiodação e aumento do T3;
  2. A leptina aumenta a liberação de TRH e TSH pela via da melanocortina hipotalâmica;

No jejum prolongado, a insulina, os ácidos biliares e a leptina estão baixos e, consequentemente, a desiodação para formação do T3. Essa é uma estratégia para o organismo poupar calorias e se adaptar à nova situação. O TSH pode estar normal ou baixo, o que poderia confundir com um quadro de hipertireoidismo subclínico.  

Se for feito algum tratamento para reduzir mais ainda os hormônios tireoidianos, pode haver redução exagerada do metabolismo. A lógica da mudança do ponto de equilíbrio é que a queda do T3 reduza o metabolismo a fim de se ajustar à baixa ingesta calórica e aproveitar ao máximo toda e qualquer caloria que for ofertada para o corpo.    

Alostase tireoidiana na obesidade

É um protótipo da alostase tipo 2. A interconexão entre tireoide e peso é amplamente conhecida. A tireoide leva a culpa pelo ganho de peso, mas ela pode ser apenas uma vítima. Na obesidade, há um aumento de desiodação de T4 para T3 pela maior atividade das desiodases I e II. Como o T3 pode se elevar, o T3 reverso pode diminuir. Pode ainda haver um aumento discreto de TSH, que se normaliza com a perda de peso.

O aumento da concentração de adipocinas, como a leptina, tem sido proposto com o um elemento chave na alostase tireoidiana relacionada à obesidade, mas a disfunção mitocondrial, a inflamação crônica, a resistência à insulina, bem como resistência central e periférica aos hormônios tiroidianos podem ter um papel adicional na alostase tireoidiana na obesidade.

Como os hormônios da tireoide são muito importantes para termogênese, o aumento do TSH e do T3 são uma tentativa de autorregulação para maior queima de calorias. Sendo assim, o uso de hormônios tireoidianos no tratamento da obesidade sem que o paciente tenha uma doença tireoidiana é perigoso do ponto de vista metabólico e cardiovascular. É pôr mais lenha na fogueira.

Se o TSH é levemente aumentado pode-se pensar em um hipotireoidismo subclínico. É um grande desafio distinguir uma disfunção tireoidiana leve da mudança do ponto de equilíbrio dos hormônios tireoidianos na obesidade. Desafio maior é não tratar o TSH alterado, principalmente se ele for a única alteração hormonal detectada nos casos de excesso de peso.

Variações do TSH, T3 total , T3 reverso e T4 total e livre na diversas doenças não tireoidianas
Tabela 2. Variação dos hormônios tireoidianos nas situações de alostase. Modificado de Ref. 1.

Considerações finais

Um problema que nos deparamos na prática clínica é que os valores de referência dos hormônios tireoidianos são para pessoas saudáveis, em repouso e estado pós alimentar. Não temos valores de referência para pessoas sem doença tireoidiana com baixo peso ou obesidade.

Como saber então se uma pessoa em um dos extremos de peso não tem doença na tireoide?
Talvez tenhamos que juntar outras peças ao quebra-cabeças, entre elas os anticorpos contra a tireoide e a ultrassonografia.

Se anticorpos antitireoidianos forem positivos podem indicar com mais probabilidade se as mudanças nos hormônios são resultado de uma doença na própria tireoide. Da mesma forma, as alterações de textura e vascularização da tireoide na ultrassonografia da tireoide com doppler podem ser uma pista para uma doença nessa glândula. Seguindo as essas pistas, pode ser que consigamos desvendar o mistério.

Há a possibilidade de tratar a causa base primeiro, como o tratamento voltado para o baixo peso ou a obesidade e ver se os hormônios tireoidianos voltam a ficar dentro dos limites da normalidade. Acredito que essa situação é mais rara, muito porque o paciente também tem que ser convencido que a tireoide é vítima e não culpada da alteração de peso. 

Referência 

  1. Chatzitomaris A, Hoermann R, Midgley JE, Hering S, Urban A, Dietrich B, Abood A, Klein HH, Dietrich JW. Thyroid Allostasis-Adaptive Responses of Thyrotropic Feedback Control to Conditions of Strain, Stress, and Developmental Programming. Front Endocrinol (Lausanne). 2017 Jul 20;8:163. doi: 10.3389/fendo.2017.00163. PMID: 28775711; PMCID: PMC5517413.

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