Fratura atípica de fêmur relacionada aos bisfosfonatos

É uma fratura de fêmur chamada de atípica porque a típica é no colo do fêmur (local que une a cabeça ao corpo) essa não é exatamente assim, pois é na diáfise (corpo) desse osso. Junto com a osteonecrose de mandíbula, a fratura atípica de fêmur são complicações raras, mas graves do uso prolongado dos bisfosfonatos, que são usados no tratamento da osteoporose.

O remédio para evitar a fratura típica pode causar a fratura atípica, o que seria pouco provável de se imaginar que uma coisa dessas pudesse acontecer. Essa rara complicação ainda não tem consenso na literatura de como se deve conduzir melhor esse problema.

Contudo, todavia, entretanto, existem mais fraturas típicas que atípicas e o uso dos bisfosfonatos superam os riscos. Devemos usá-los com sabedoria. A ideia do texto não é condenar os bisfosfonatos.

Os bisfosfonatos reduzem a remodelação óssea. Porém, se não houver uma renovação mínima ele fica mais propenso a fraturas. O risco de fraturas atípicas aumenta com o uso de bisfosfonatos orais por mais de cinco anos e de três anos dos bisfosfonatos endovenosos.

Se você não é da área médica, vou dar alguns exemplos de bisfosfonatos: alendronato, risedronato, ibandronato (orais); pamidronato e ácido zoledrônico (endovenosos).

Esse texto revisa os fatores de risco, patogênese, tratamento e prevenção da fratura atípica de fêmur (FAF).

Critérios para fratura atípica de fêmur

Como a fratura acontece numa região próxima à fratura típica, foram descritos alguns critérios para diferenciá-las.

A fratura atípica deve ter 4 de 5 critérios:

  1. Ocorre sem história de trauma ou um trauma mínimo;
  2. Tem uma linha de fratura predominantemente transversal, originando no córtex lateral e às vezes se tornando oblíqua à medida que progride para o córtex medial;
  3. Estende-se através dos dois córtex e pode estar associado a uma espícula medial (fratura completa); ou envolve apenas o córtex lateral (fratura incompleta);
  4. Não é cominutiva ou minimamente cominutiva;
  5. Demonstra espessamento periosteal ou endosteal (em “bico” ou “chama”) do córtex lateral no local de fratura.
Figura 1. Ilustração da anatomia da fratura atípica de fêmur.

Outras características mais discretas são também importantes, mas não são necessárias para o diagnóstico, como por exemplo:

  • Espessamento cortical da diáfise femoral;
  • Dor unilateral ou bilateral que precede a fratura (pródromos);
  • Fratura completa ou incompleta da diáfise femoral
  • Atraso na consolidação de fraturas.

O risco absoluto é pequeno, mas aumenta com o tempo de uso da medicação, como veremos a seguir.

A FAF é rara, cerca de 4,6¨das fraturas femorais e nem todas as fraturas atípicas são em pessoas que usaram bisfosfonatos – cerca de 7,4% são em pessoas que relataram não terem usado a medicação.

O risco absoluto gira em cerca de 3,2 a 50 casos por 100.000 pacientes-ano. Depois de 5 anos de uso, esse número pula para 100 por 100.000 pacientes anos. O risco é maior em quem toma a medicação adequadamente. Após a suspensão dos bisfosfonatos, o risco de FAF diminui para 70% ao ano.

Muitos dados sobre a prevalência e incidência da FAF são conflitantes. Mais uma vez, os benefícios do uso dos bisfosfonatos superam os riscos, já que as fraturas típicas superam em número as atípicas.

A fratura de fêmur atípica geralmente vem acompanhada

Após uma fratura atípica de fêmur, os pacientes têm um risco significante de fratura no outro lado, no fêmur contralateral. Cerca de um quarto dos pacientes (28%) que tiveram fratura atípica de fêmur sofreram uma fratura no fêmur contralateral, comparado a 0,9% de pacientes que tiveram uma fratura típica.

A fratura contralateral pode ocorrer de 1 mês a 4 anos após a primeira fratura.

A mortalidade decorrente da fratura atípica de fêmur é semelhante à da fratura típica, ambas são maiores que a mortalidade da população geral. Em outras palavras, qualquer um dos tipos de fratura de fêmur encurta a vida das pessoas que a tiveram.

Figura 2. Fratura de fêmur atípica bilateral. A figura mostra o lado direito já com fixação cirúrgica e o esquerdo com fratura completa.

Sintomas precoces que acendem o alerta (pródromos)

A dor que antecede a fratura atípica é comum. De 32 a 76% dos pacientes com fratura de fêmur completa ou em desenvolvimento se apresenta com dor em região da virilha, região lateral ou anterior da coxa.  

A dor pode aparecer a qualquer momento de 2 semanas a vários anos antes da fratura.

A fratura pode ser não traumática, como em uma simples caminhada, descer uma calçada ou ainda uma queda da própria altura.

Em um paciente que estiver em uso de bisfosfonatos e se queixar de dor nessa região, o médico deve solicitar radiografia do quadril e ainda procurar por sinais e sintomas e fraturas no lado contrário.

Diagnóstico diferencial da fratura atípica de fêmur

EXAMES DE IMAGEM

São recomendados para todos os pacientes com queixa de dor no quadril, coxa ou virilha e os mais simples, são geralmente suficientes.

RX SIMPLES

A radiografia é o primeiro passo. Se a radiografia não for conclusiva, a cintilografia óssea ou RM deve ser considerada.

ESPESSAMENTO

DO CÓRTEX

LATERAL

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As alterações radiológicas de fratura transversa e espessamento focal da cortical lateral do fêmur são os achados mais sensíveis e específicos.

Já que há grande risco de fratura contralateral, o estudo radiográfico dever ser feito em ambos os lados

TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA

A tomografia não deve ser recomendada para rastreio de FAF por não ser sensível para detectar fraturas de estresse iniciais e por ter grande carga de radiação.

CINTILOGRAFIA ÓSSEA

É um exame muito sensível, mas a especificidade é limitada pela falta de resolução especial, ou seja, ela está alterada nas alterações da FAF, mas a imagem é meio “borrada” e não dá para localizar a lesão com precisão.

DENSITOMETRIA ÓSSEA

O exame base para o diagnóstico de osteoporose pode não detectar a FAF. Isso porque a região do fêmur analisada é principalmente o colo do fêmur e pega só um pedacinho do corpo (1 a 2 cm abaixo do trocânter). Em um estudo, a densitometria óssea “pegou” só 61% dos pacientes com FAF.

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA

Esse exame tem o benefício especial de rastrear a coxa contralateral em pacientes que sabidamente já têm fratura atípica de fêmur. O contraste não é indicado. O sinal mais precoce inclui reação periosteal com sinal normal da medula óssea.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial da fratura atípica de fêmur inclui fratura por estresse, fratura patológica, hipofosfatasia e osteogênese imperfeita.

A osteomalácia hipofosfatêmica pode causar zonas de Looser, que pode ser confundida com fratura atípica de fêmur, mas geralmente acontece do lado medial.  Da mesma forma, a fratura por estresse pode ocorrer abaixo do trocânter menor do fêmur, mas também ocorre do lado medial e não lateral como o da FAF.

Fratura patológica por lesão óssea como metástase pode simular o “bico” da FAF, mas usualmente é associado com lesão radiolucente e margens mal definidas.

Fatores de risco adicionais

Há perfis de pessoas que a vigilância em relação a esse tipo de fratura deve ser redobrada, a saber:

– Mulher de etnia asiática;

– Medicações – além dos bisfosfonatos, outras drogas como denosumab (outra medicação para osteoporose), glicocorticoides e inibidores de bomba de prótons (omeprazol, pantoprazol etc.);

– Fatores genéticos;

– Outras condições médicas – doença do colágeno, doença pulmonar crônica, asma, artrite reumatoide e diabetes.

O risco dessa fratura, como se vê, permanece com medicações a antireabsortivas usadas para osteoporose. Vale a pena aqui não “trocar seis por meia-dúzia”.

Recomendações clínicas para “férias da droga” ou manutenção do uso de bisfosfonatos

Atualmente, recomenda-se avaliar o uso dos bisfosfonatos em um paciente com osteoporose após 5 anos ou mais de terapia.

Uma vez que o paciente com osteoporose tem maior risco de fratura, aqueles pacientes com muito alto risco deve-se considerar para continuar a terapia com bisfosfonatos. 

Fatores para alto risco incluem:

  • História de fratura durante o tratamento com droga antifraturas
  • Índice T menor ou igual a -2,5 em quadril
  • Idade avançada (>70 anos)
  • Outros fatores de risco como fumo, uso de álcool, uso de corticoides, artrite reumatoide e história familiar
  • Escore FRAX acima do limiar país-específico, que é uma ferramenta para determinar o risco de fratura.

Aqueles pacientes sem alto risco devem ser considerados para tirar umas “férias” (drug holiday) do bisfosfonato de 2- 3 anos com avaliação periódica da densidade mineral e marcadores do metabolismo ósseo.

O drug holiday permite que haja um aumento de remodelação e renovação do osso. A vigilância é para ver se a remodelação não aumenta além da conta e paciente começa a perder osso demais. Lembrando que essa classe, diferentemente do denosumab, tem um efeito residual após a suspensão.

Fisiopatologia da fratura atípica de fêmur

Essas drogas suprimem a remodelação óssea; entretanto, em teoria, o uso prolongado por suprimir tanto a remodelação e aumentar a fragilidade óssea

Mudanças na geometria do esqueleto, tais como ângulo mais agudo (fechado) entre o colo e o corpo femoral e a curvatura do fêmur.

Há mais hipóteses ligadas à fisiopatologia, que estão descritas em detalhes no artigo original, cuja referência está no final desse texto.

Tratamento da fratura atípica de fêmur

Tratamento clínico

Os bisfosfonatos devem ser suspensos e o aporte de cálcio e vitamina D deve ser revisto.

Para pacientes com fratura incompleta e dor persistente após 3 meses de tratamento médico, a fixação cirúrgica profilática é recomendada para prevenir a fratura completa.

A teriparatida, o PTH recombinante, é uma droga que estimula a formação óssea e pode ser usada isoladamente ou em conjunto com a fixação cirúrgica. Os estudos sugerem que a teriparatida funciona melhor quando o sítio de fratura está estável.

Tratamento ortopédico

O tratamento ortopédico depende se o paciente está com dor ou se a fratura é completa ou incompleta. O algoritmo sugerido para o tratamento ortopédico está detalhado na Figura 2.

O tratamento conservador para a fratura incompleta sem dor, além da suspensão de drogas antireabsortiva, os pacientes precisam parar as atividades de alto impacto e repetitivos, tais como pular ou correr. Se surgir alguma dor, os pacientes devem iniciar exercícios de levantamento de peso protegidos.

Para quem não está acostumado com os termos da ortopedia, exercícios com descarga parcial é não colocar todo peso do corpo, utilizando muletas ou andador, por exemplo. A descarga completa é andar sem apoios.



Algoritmo de tratamento da fratura atípica de fêmur. Modificado de Silverman e colaboradores.

Considerações finais

Precisamos sempre lembrar que o tratamento da osteoporose não se resume a medicações antifraturas. O exercício físico, a ingesta adequada de cálcio, exposição solar é o primeiro passo. Frequentemente, é necessário suplementar cálcio e vitamina D. Depois disso tudo ou junto com isso tudo é que a medicação deve ser utilizada.

Aqui, o alerta vale para não “queimar a largada” no tratamento da osteoporose, na minha opinião. O que eu quero dizer é de iniciar o tratamento em pacientes que realmente tenham indicação para essas medicações. Imagine você se o tratamento começa sem critério em uma paciente com 55 anos e se mantem sem pausa até os 75 anos! A essa altura, o paciente já vai ter 20 anos de uso da medicação e risco mais alto para fraturas atípicas.

Devemos usar bisfosfonatos? Sim! Com parcimônia sabedoria.

Referência bibliográfica

Silverman S, Kupperman E, Bukata S. Bisphosphonate-related atypical femoral fracture: Managing a rare but serious complication. Cleve Clin J Med. 2018 Nov;85(11):885-893. doi: 10.3949/ccjm.85a.17119. PMID: 30395525.

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