O termo raquitismo já é mais conhecido do vocabulário popular, personificado na criança pequena de aspecto frágil, embora nem todo caso de baixa estatura resulte da doença raquitismo. O termo osteomalácia é menos conhecido, é uma doença de adultos que pode simular a osteoporose.
Raquitismo e osteomalácia têm em comum a deficiência na mineralização: na criança da cartilagem de crescimento e nos adultos no processo remodelação do tecido ósseo.
Essas doenças, muito comuns no passado, retornam como tema atual por conta da deficiência de vitamina D, deficiências nutricionais decorrentes das cirurgias bariátricas. Nessa publicação, darei maior atenção para osteomalácia, uma vez que o raquitismo é objeto de estudo da endocrinologia pediátrica.
Osteomalácia e osteoporose
No adulto, o esqueleto está em constante processo de remodelação óssea, processo pelo qual o osso antigo é reabsorvido substituído por um osso jovem de forma contínua. Imaginem que dessa maneira todo o esqueleto pode ser renovado em média a cada década! A mais bem-conhecida doença chamada osteoporose é resultado da reabsorção óssea aumentada, embora a mineralização seja normal. Na osteomalácia, a remodelação pode estar reduzida por prejuízo da mineralização do osso recém-formado. As duas doenças reduzem a densidade mineral do osso, resulta em fragilidade óssea e predispõem a fraturas e todas as suas maléficas consequências.
O osso é formado por diversas células e uma matriz extracelular composta por uma rede colágeno impregnada por minerais que lhe dão rigidez.
Para mineralizar cartilagem e osso são necessários dois minerais básicos: cálcio, fósforo. A vitamina D participa ativamente desse processo, pois está intimamente envolvida na disponibilidade de cálcio para os ossos. A deficiência de cálcio e fósforo podem ser decorrentes da ingesta inadequada, problemas na absorção intestinal ou aumento da perda renal desses minerais. Assim sendo, o raquitismo e osteomalácia são divididas nas formas que denotam deficiência de oferta desses componentes ao osso: calciopênicas (inclui deficiência de vitamina D) e hipofostatêmicas.
A deficiência de vitamina D é decorrente principalmente falta de exposição solar, principal fonte de vitamina D, e mais raramente de enzimas envolvidas no seu metabolismo. A deficiência de vitamina D pode ser adquirida ao longo da vida ou se apresentarem desde o nascimento (congênitas) quando há defeitos genéticos. Se você quiser saber mais sobre vitamina D, convido-lhe para acessar os outros artigos sobre o assunto.
CAUSAS
Formas calciopênicas ou hipocalcêmicas
Incluem a deficiência de cálcio ou vitamina D
Adquiridas
- Nutricional – baixa ingesta de cálcio/vit D. A quantidade de cálcio dos alimentos pode ser verificada pelo site: https://www.iofbonehealth.org/calcium-calculator
- Baixa exposição solar – deficiência de vitamina D
- Má absorção intestinal de cálcio e vitamina D – por doenças intestinais, síndrome do intestino curto e cirurgias bariátricas
- Doenças hepáticas e renais – interferem nas etapas do metabolismo da vitamina D
- Uso de medicações como anticonvulsivantes
Genéticas – defeitos nas enzimas que metabolizam a vitamina D ou defeito na ação da vitamina D em seu receptor. As formas mais comuns são o defeito na transformação da 25(OH)D em 1,25(OH)2D ou calcitriol pelo defeito na alfa-1-hidroxilase, conhecida como raquitismo dependente da vitamina D tipo 1. No raquitismo dependente de vitamina D tipo 2, há defeito no receptor da vitamina D nos tecidos.
Formas hipofosfatêmicas
Nessa categoria entra uma proteína importante, mas não tão conhecida, que aumenta a excreção de fósforo pelo rim: o FGF-23 – do inglês fibroblast growth fator ou fator de crescimento derivado do fibroblasto-23. Essa substância estimula a excreção de fósforo pelo rim, fenômeno conhecido por fosfatúria.
As formas hipofosfatêmicas são divididas em:
Mediados por FGF-23
Adquiridas – alguns tumores de mesenquimais, ou seja, dos tecidos ósseo, muscular, gorduroso, vasos, cartilaginoso e dos fibroblastos.
Genéticas
Não mediados por FGF-23
Adquiridas
- Deficiência nutricional – as carnes e laticínios são a principal fonte alimentares. Veganos e vegetarianos estritos devem garantir a quantidade adequada de fósforo na sua alimentação. Alguns casos de osteomalácia já foram descritos nesses grupos.
- Má-absorção – doenças e cirurgias que afetam o intestino delgado
- Defeitos nos túbulos renais que levam à perda de fósforo (Fanconi)
- Comprometimento seletivos de transportadores renais que reabsorvem fósforo
Genéticas
Inibição da mineralização
Mesmo sem deficiência de cálcio e fósforo, pode haver inibição do processo de mineralização por outros compostos, tais como o pirofosfato inorgânico, etidronato, alumínio e flúor em altas doses.
QUADRO CLÍNICO
Na infância, o diagnóstico do raquitismo é feito pelo quadro clínico de retardo do crescimento, fraqueza muscular, fraturas e deformidades esqueléticas, além de outros achados relacionados às síndromes genéticas.
A osteomalácia tem diagnóstico mais desafiador por se confundir com a osteoporose ou baixa massa óssea. Tal como a primeira, a segunda pode ser assintomática. Quando sintomática, o quadro clínico pode incluir dores ósseas e fraqueza muscular. Em casos mais graves ou prolongados pode haver fraturas com traumas mínimos. Deformidade óssea é mais rara.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico laboratorial depende da causa. De forma geral, a osteomalácia hipocalcêmica terá um quadro laboratorial de hiperparatireoidismo secundário, assunto detalhado em outra publicação. A dosagem da 25(OH)D deve ser realizada quando há suspeita de deficiência de vitamina D. A dosagem da forma ativa 1,25(OH)2D é de exceção quando há suspeita de raquitismo dependente de vitamina D, para diferenciar o defeito na sua formação ou defeito na sua ação.
A osteomalácia hipofosfatêmica não evolui com aumento do hormônio paratireoidiano (PTH). Deve-se investigar se há maior perda renal de fósforo em exame de urina (fosfatúria). A produção de FGF-23 por tumores mesenquimais é uma causa rara e curável de osteomalácia adquirida. A dosagem de FGF-23 é pouco utilizada na prática clínica, sendo mais frequentemente utilizada para fins acadêmicos.
A densitometria óssea não distingue a redução da densidade mineral óssea decorrente da maior reabsorção (osteoporose) do defeito de mineralização (osteomalácia). O RX pode dar algumas pistas: além da rarefação óssea e adelgaçamento da cortical do osso, pode haver pseudofraturas, este último é um achado mais específico da osteomalácia.
O teste padrão-ouro (o mais acurado para o diagnóstico) é biópsia óssea. É um método invasivo e realizado em casos excepcionais. A biópsia permite o exame dos componentes teciduais e morfologia do tecido ósseo (exame histomorfométrico).
A característica principal na biópsia é o excesso da camada de matriz osteóide não mineralizada.

A velha conhecida tetraciclina, aquele antibiótico que pode manchar os dentes, comumente é utilizada nesse exame pelo fato de se depositar no osso recém-formado e o estudo da dinâmica da sua deposição em dois tempos fornece informações sobre o processo de mineralização.
TRATAMENTO
O tratamento vai depender da causa do raquitismo ou osteomalácia e envolve diversas formulações de cálcio e fósforo e diferentes tipos e formulações de vitamina D .
A correção de deficiências nutricionais pelo aporte nutricional adequado de cálcio e fósforo, exposição solar ou suplementação de cálcio e vitamina D são linhas gerais do tratamento do raquitismo e osteomalácia. No caso de osteomalácia oncogênica (induzida por tumor), a retirada cirúrgica do tumor pode resolver o problema.
MENSAGENS FINAIS
Gostaria de enfatizar a necessária lembrança do diagnóstico de osteomalácia em casos de deficiência nutricional e mais graves, como atualmente observados em também alguns casos pós-cirurgia bariátrica e outros pacientes de risco (sem pressa de prescrever) para deficiência de vitamina D e, no caso de osteomalácia hipofosfatêmicas, da possibilidade de ser causada tumoral, embora rara.
Bem, chegamos ao final de um assunto um pouco complexo mesmo que desafia minha capacidade de síntese. Um textão para falar de um assunto que é osso, mas espero que não tenha sido duro de ler. Se você tem alguma dúvida, observação, sugestão, fique à vontade para escrevê-la nos comentários.
Até a próxima!
Referências
ELDER, C. J.; BISHOP, N. J. Rickets. Lancet, v. 383, n. 9929, p. 1665-1676, May 2014. ISSN 1474-547X. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24412049 >.
KULAK, C. A.; DEMPSTER, D. W. Bone histomorphometry: a concise review for endocrinologists and clinicians. Arq Bras Endocrinol Metabol, v. 54, n. 2, p. 87-98, Mar 2010. ISSN 1677-9487. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20485895
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Raquitismo e Osteomalácia do Ministério da Saúde
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