Hiperparatireoidismo secundário e terciário
O hiperparatireoidismo primário, discutido em mais detalhes no post anterior, é caracterizado pelo aumento de uma ou mais glândulas paratireoides de forma autônoma, que leva a produção excessiva de hormônio paratireoidiano ou PTH. Geralmente é causado por um tumor benigno de uma das quatro paratireoides.
O evento inaugural das alterações osteometabólicas é o aumento do PTH e o consequente aumento de cálcio no sangue (hipercalcemia). O assunto principal desse texto é sobre os outros dois tipos de hiperparatireoidismo: secundário e terciário. Nesse texto, vamos abordar principalmente o hiperparatireoidismo decorrente da doença renal crônica, antigamente chamada de insuficiência renal.
Hiperparatireoidismo secundário à deficiência de vitamina D
No hiperpartireoidismo secundário não há tumor, mas sim um aumento das células da paratireoide (hiperplasia). A principal causa de hiperparatireoidismo secundário observada nos consultórios em geral é a deficiência da vitamina D, diagnosticada pela 25(OH)D no sangue. O resultado da deficiência de vitamina D, cálcio e fósforo leva a um quadro clínico que pode simular a osteoporose: a osteomalácia. O restabelecimento dos níveis de vitamina D normaliza os níveis de PTH no hiperparatireoidismo associada a essa deficiência vitamínica. A vitamina D e suas controvérsias são assuntos de outras postagens desse blog, tema interessante que os convido a visitar ou revisitar.
Hiperparatireoidismo secundário e terciário decorrente da doença renal crônica
Um segundo mecanismo clássico do hiperparatireoidismo secundário é de da perda da função renal, que ainda não foi abordado anteriormente de forma mais detalhada e será objeto dos próximos parágrafos.
O declínio progressivo da função renal resulta em distúrbio mineral e ósseo da doença renal crônica (DMO – DRC). Inicialmente, há redução da filtração renal de fósforo com tendência com retenção e tendência a seu acúmulo no organismo. Para compensar, ocorre aumento de uma outra substância chamada fator de crescimento de fibroblastos-23 (FGF-23), hormônio produzido no tecido ósseo, que estimula a excreção de fósforo na urina (efeito fosfatúrico). Esse mecanismo compensatório é suficiente até certo um certo ponto, quando deixa de ser suficiente, ocorre aumento das concentrações de fósforo no sangue.
O rim é também o órgão responsável pela síntese da vitamina D ativa, o calcitriol ou 1,25(OH0)2D. A deficiência de vitamina D ativa leva a redução da absorção de cálcio pelo intestino e estimula também a secreção de PTH na tentativa de compensar a queda de cálcio. A hipovitaminose D, refletida por baixos níveis de 25(OH)D também piora a progressão do hiperparatireoidismo na doença renal.
Em conjunto: o aumento do fósforo, a queda do cálcio e a deficiência de vitamina D presentes na doença renal crônica levam ao crescimento das paratireoides, podendo uma parcela das células dessas glândulas não responder mais aos comandos que normalmente inibiriam a secreção, comportando-se de forma autônoma de forma similar ao hiperparatireoidismo primário, quadro denominado hiperparatireoidismo terciário. Ambos os tipos resultam no aumento do cálcio, mas no primeiro há redução do fósforo e no último há aumento do fósforo no sangue.
A combinação de cálcio e fósforo altos no hipertireoidismo terciário pode levar a calcificações extraesqueléticas, tais como partes moles (músculos e tendões), válvulas cardíacas e vasos sanguíneos. No hiperparatireoidismo decorrente a DRC observa-se elevações expressivas dos níveis de PHT, chegando a valores maiores de PHT intacto maiores 300 pg/mL.
Deve-se deixar claro, entretanto, que não há evolução do hiperparatireoidismo primário para o secundário e assim por diante; a nomenclatura denota se o problema é da própria glândula (primário) ou é consequência de outros fatores fora da glândula (secundário). Apenas o terciário é precedido pelo hiperparatireoidismo secundário prolongado. Abaixo, um quadro para diagnóstico diferencial do aumento do PTH, lembrando que ainda existem outras causas de aumento do PTH, como síndromes genéticas mais raras.

Quadro clínico do hiperparatireoidismo da doença renal crônica
O quadro clínico resultante do distúrbio mineral e ósseo inclui dores ósseas e articulares, dores e fraqueza musculares, deformidades de partes moles, calcificações de partes moles e ruptura de tendões, principalmente em pacientes com longa duração de doença. Por isso, pacientes com DRC apresentam um maior risco de fratura e problemas cardiovasculares quando comparados a população geral.
Exames complementares para diagnóstico no hiperparatireoidismo da doença renal
Laboratoriais – dosagem de cálcio, fósforo, PTH e creatinina sérica (para avaliação da função renal). Outros exames e cálculos podem ser necessários para o quadro renal.
Radiografias dos ossos e densitometria óssea – avalia as alterações decorrentes do hiperparatireoidismo no osso e calcificações extraesqueléticas
Exames localizatórios das paratireoides – ultrassonografia, cintilografia ou tomografia devem ser consideradas apenas para programação cirúrgica
Ecocardiograma e radiografia lateral de abdome – válidos para detectar calcificações extraesquelética, incluindo vasos, válvulas cardíacas e miocárdio.
Biópsia óssea – realizada na crista ilíaca, é o exame padrão-ouro para diagnóstico de doença óssea, mas por ser um método invasivo, sendo indicada apenas em casos selecionados.
Tratamento do hiperparatireoidismo na doença renal
O tratamento vai depender da fase da doença e inclui medidas para redução do aporte de fósforo na dieta, adequação da diálise, quelantes do fósforo por via oral (substâncias que “sequestram” o fósforo e não deixam que seja absorvidos pelo intestino), podendo ser a base de cálcio.
Se o cálcio e estiver alto ou houver evidência de calcificação extraesqueléticas, não é adequado usar cálcio oral para sequestrar o fósforo no intestino. A medicação quelante chamada sevelamer, um polímero que não contém cálcio, pode ser usada para essa finalidade. Em bula, a medicação é só aprovada em pacientes em hemodiálise.
Os estoques de vitamina D, 25(0H)D devem ser mantidos em níveis iguais ou superiores a 30ng/mL, a menos que haja hipercalcemia (aumento do cálcio no sangue). A reposição é feita com colecalciferol.
O calcitriol, o paracalcitrol e medicações que simulam o cálcio (calcimiméticos) podem ser utilizados com objetivo de diminuir a secreção de PTH.
O calcitriol é considerado quando as medidas anteriores não foram suficientes para diminuir os níveis de PTH.
Ativadores seletivos dos receptores de vitamina D (paricalcitol) – é efetivo em reduzir o PTH sem aumento significativo da calcemia. Utilizado por via parenteral em pacientes em tratamento dialítico.
O cinacalcete é uma medicação que atua no receptor de cálcio das células da paratireoide simulando o cálcio (calcimimético), sendo utilizado quando não há controle dos níveis de PTH com as medidas iniciais ou quando há hipercalcemia.
Quando todas as medidas foram tomadas e não há redução dos níveis de PTH, a cirurgia de retirada total ou parcial das paratireoides é considerada.
O objetivo não é normalização do PTH, mas sua diminuição para que haja alguma remodelação do osso, já a doença renal predispõe a situação em que o osso tem baixa remodelação, ficando também mais predisposto a fraturas. Em geral, esse nível de desejado de PTH é por volta de duas vezes o limite superior do valor de referência do método. O ensaio laboratorial deve medir a molécula inteira de PTH (PTH intacto), já que fragmentos dessa molécula podem se acumular no hiperparatireoidismo, resultando em valores falsamente mais elevados.
Considerações finais
Como vimos, o hiperparatireoidismo secundário e terciário decorrentes da doença renal crônica envolve vários mecanismos e o tratamento vai depender das alterações encontradas em cada fase. Está relacionado a vários sintomas musculoesqueléticos, além dos decorrentes de calcificações extraesqueléticas. Múltiplas medidas, isoladamente ou em conjunto, podem ser adotadas para seu tratamento dessa complicação, inclusive cirurgia. O hiperparatireoidismo primário ou secundário à deficiência de vitamina D são condições muito observadas nos consultórios de endocrinologia, já o hiperparatireoidismo secundário e terciário decorrente da doença renal crônica está na seara da nefrologia.
O tema foi aqui abordado de forma resumida e tem várias nuances de diagnóstico e tratamento. Na interpretação dos exames, o médico pode considerar outros fatores que interferem na análise dos exames além dos que foram aqui comentados. Os textos desse blog têm meramente caráter informativo. Na dúvida, sempre consulte seu médico!
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