A obesidade é um estado de inflamação de baixo grau persistente. Já falamos sobre essa inflamação da pessoa com obesidade quando comentamos do aumento de marcadores bioquímicos no sangue como a ferritina e a proteína C reativa. Nesse texto, vamos ver como esse estado inflamatório se desenvolve por ocasião do excesso de gordura corporal.
Tecido adiposo produz hormônios e citocinas
Não pense que o tecido adiposo só serve para estocar gordura. Ele é também um órgão endócrino que produz e hormônios (as adipocinas) e outras substâncias chamadas citocinas.
Além dos adipócitos, que são as maiores células do tecido adiposo, existem outras células menores como os pré-adipócitos, fibroblastos, células endoteliais, macrófagos e histiócitos. Algumas dessas células produzem citocinas, algumas são pró-inflamatória, ou seja, que estimulam a inflamação, enquanto outras são anti-inflamatórias, que encerram o estado inflamatório.
As citocinas são substâncias produzidas por células que influem no funcionamento das células vizinhas, enquanto os hormônios podem interagir em tecidos distantes de onde foram produzidos.
Os hormônios mais estudados produzidos pelas células adiposas são a leptina e a adiponectina. A leptina tem papel de regulação da fome e é uma adipocina que estimula a inflamação, enquanto a adiponectina é uma substância anti-inflamatória.
Já dá para supor que nas pessoas com obesidade há aumento da leptina e redução da adiponectina.
Células inflamatórias infiltradas no tecido adiposo
Sem dúvida, um tipo célula protagonista na inflamação crônica da obesidade é o macrófago, do qual falaremos com mais detalhes nos parágrafos seguintes.
Macrófagos M1 e M2 no tecido adiposo
Os macrófagos são encontrados em vários tecidos e sua função mais conhecida é a fagocitose. Eles “engolem” restos de células, partículas estranhas ao organismo e liberam citocinas que iniciam processos da resposta inflamatória.
Na diferenciação das células do sistema imunológico, os monócitos dão origem aos macrófagos. Pela via clássica, os monócitos dão origem aos macrófagos M1, que produzem citocinas inflamatórias. De forma alternativa, os monócitos podem se diferenciar em macrófagos que produzem citocinas anti-inflamatórias, os macrófagos M2.
Há também a possibilidade do macrófago M1 se transformar em M2, fenômeno descrito como polarização dos macrófagos. Nos extremos, o M1 é o mau: produz substâncias pró-inflamatórias; e o M2 é o bom dessa nossa estória: produz substâncias anti-inflamatórias. A obesidade leva à desestabilização do equilíbrio da população de macrófagos M1 e M2, como predomínio do primeiro tipo de célula.
Em pessoas magras, a porcentagem dos macrófagos entre as que constituem os outros tipos de células que não os adipócitos correspondem de 5 a 10%. Essa porcentagem nas pessoas com obesidade pode ser superior a 40%, chegando a 50% na obesidade grave. De forma inversa, a perda de peso promove redução da porcentagem dos macrófagos.
O que causa a infiltração de macrófagos M1 no tecido adiposo na obesidade? Um dos estímulos mais aceitos é a morte da célula gordurosa, mais prevalente no tecido adiposo visceral, que é aquele que fica entre e dentro dos órgãos da cavidade abdominal.
Perfil inflamatório na obesidade e suas consequências
O fator de necrose tumoral alva (TNF-α) foi a primeira citocina identificada capaz de induzir a resistência à insulina in vitro. Essa citocina pró-inflamatória é secretada pelos macrófagos M1. Outras citocinas secretada por esse subtipo de macrófago incluem as interleucinas (IL): IL-6, IL-1β, IL-12 e IL-
À medida que se aumenta a gordura corporal, vemos uma predominância de substâncias inflamatórias e estas se relacionam com a resistência à insulina (perfil pró-inflamatório). A perda de peso está associada à redução das substâncias pró-inflamatórias e aumento das substâncias anti-inflamatórias. Como é a caracterização desses dois perfis? Em resumo, temos:
- Perfil anti-inflamatório – aumento da adiponectina, redução da leptina, aumento disponibilidade de oxigênio para as reações químicas (redução da hipóxia);
- Perfil pró-inflamatório – redução da adiponectina, aumento da leptina, redução da disponibilidade de oxigênio para as reações químicas (aumento da hipóxia).

Existe mais uma gama de substâncias anti e pró-inflamatórias. Para saber mais sobre o tema, há sugestão de dois artigos em inglês que são gratuitos.
A “inflamação metabólica” produz as complicações sistêmicas da obesidade, como a resistência insulínica, solo fértil para o desenvolvimento da síndrome metabólica, diabetes tipo 2, doença gordurosa não-alcoólica (esteatose hepática), síndrome dos ovários policísticos, dislipidemia aterogênica etc.
Considerações finais
A obesidade é um problema do excesso de gordura, como já sabemos. Existe uma quantidade de gordura necessária no corpo, mas muita gordura no lugar errado é um problemão.
A gordura intra-abdominal é a grande vilã quando se pensa em um perfil metabólico desfavorável. Essa gordura pode “extravasar” para órgãos vizinhos como o pâncreas, causando resistência à insulina e diabetes tipo 2 e o fígado, causando esteatose hepática. O efeito tóxico da gordura ectópica chamamos de lipotoxicidade.
Além do extravasamento da gordura, a produção de citocinas pró-inflamatórias, o aumento da leptina e a redução da adiponectina produzidas pelo tecido adiposo em excesso se correlacionam como a resistência à insulina, mesmo que a gordura não esteja infiltrada nos órgãos.
A gordura como fonte de inflamação é um campo de estudo relativamente novo, mas já explica muitos fenômenos que observamos na prática clínica, desde as alterações laboratoriais das quais já falamos, até doenças classicamente resultantes de aumento da inflamação. Uma das doenças inflamatórias que aumentam com o ganho de peso é a asma brônquica, assunto que está no próximo post.
Referências
- Castoldi A, Naffah de Souza C, Câmara NO, Moraes-Vieira PM. The Macrophage Switch in Obesity Development. Front Immunol. 2016 Jan 5;6:637. doi: 10.3389/fimmu.2015.00637. PMID: 26779183; PMCID: PMC4700258.
- Chylikova J, Dvorackova J, Tauber Z, Kamarad V. M1/M2 macrophage polarization in human obese adipose tissue. Biomed Pap Med Fac Univ Palacky Olomouc Czech Repub. 2018 Jun;162(2):79-82. doi: 10.5507/bp.2018.015. Epub 2018 May 16. PMID: 29765169.
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