Hipotireoidismo subclínico na gravidez

A gravidez é um turbilhão hormonal e a tireoide não deixa de ser uma importante peça nesse processo. Um dos problemas mais comuns que o endocrinologista atende é de mulheres com alterações nos exames da tireoide, principalmente os casos de hipotireoidismo subclínico na gravidez. Nesse texto, comentarei um pouco das alterações que a gestação promove nos exames da tireoide e indicações de tratamento dos casos leves de hipotireoidismo.

Influência da gestação na tireoide

A função tireoidiana em mulheres gestantes é diferente das não gestantes.  Isso porque sofre influência de dois hormônios: a gonadotrofina coriônica humana (hCG) e estrógeno. A estrutura molecular do hCG é semelhante ao TSH por compartilhar a subunidade alfa, como vimos no post de hormônios na gravidez. Assim sendo, o hCG pode estimular levemente a tireoide, aumentando a produção dos hormônios tireoidianos e reduzindo o TSH e aumentando o volume da tireoide em 10 -15%. Como a concentração do hCG é maior no primeiro trimestre, se observa uma redução mais significativa do TSH nesse período, podendo até ficar abaixo do valor de referência para mulheres não gestantes.

Ilustração com os hormônios glicoproteicos
Figura 1. Hormônios glicoproteicos se diferenciam entre eles pela subunidade beta.

O aumento da tireoide geralmente não é aparente no exame físico, mas pode ser observado em métodos mais sensíveis como a ultrassonografia.

O estrógeno aumenta a quantidade da proteína ligadora ou carreadora dos hormônios tireoidianos (TBG), como também já vimos no post sobre hormônios ligados e livres. Assim como as pílulas anticoncepcionais, a gravidez aumenta a dosagem de T4 total (por aumento TBG), mas não do T4 livre.

Figura 2. Proteínas transportadoras e seus respectivos hormônios carreados

Qual o valor normal de TSH na gravidez?

Seria ideal que todo laboratório de análises fizesse um estudo na população que atende para responder à essa pergunta. Alguns laboratórios fazem essa avaliação com a sua população ou seguem as recomendações da Sociedade Brasileira de Endocrinologia, da Associação Americana de Tireoide (ATA) ou algum estudo científico relevante na população brasileira.

Nos EUA e na Europa e no Brasil, o limite superior do valor de referência para o TSH no primeiro trimestre de gravidez é de 2,5 mU/L e de 3,0 mU/L no segundo e terceiro trimestres.

Para os laboratórios que têm sua padronização interna, o limite inferior do TSH pode ser reduzido em 0,4 mU/L, enquanto o limite superior pode ser reduzido em aproximadamente 0,5 mU/L no primeiro trimestre. Dessa forma, se um laboratório tem como valores de referência do TSH em mulheres não grávidas os valores de 0,45 a 4,5 mU/L, poderíamos considerar que no primeiro trimestre da gravidez, os valores de referência seriam de 0,15 a 4,0 mU/L. Abaixo, um exemplo de exame de um laboratório que usa como referência um valor de 0,45 a 4,5 mU/L e que faz duas observações quanto aos valores de referência para cada trimestre. Notem que, dependendo da referência utilizada, o valor superior pode ser de 2,5 mU/L (SBEM) ou 4,0 mU/L (ATA).

Figura 3. Exemplo de resultado de um laboratório cujo valor de referência do TSH é 0,45 a 4,5 mU/L

Já o laboratório abaixo, utiliza faixas diferentes de TSH conforme faixa etária e adota para gestantes a regra de reduzir 0,5 mU/L do limite superior da normalidade, utilizando a referência da ATA.

Figura 4. Exemplo de resultado de TSH que utiliza a sugestão da ATA em reduzir 0,4 mU/L do limite inferior e 0,5 mU/L do limite superior do método

O terceiro exemplo de resultado utiliza como referência de valores de normalidade para cada trimestre da gestação a recomendação da ATA e de um estudo realizado no Rio de Janeiro.

Figura 5. Exemplo de resultado de um laboratório que utiliza a referência de um estudo científico nacional

Essa diferença de resultado entre laboratórios pode explicar o porquê que de diferentes condutas médicas frente a um resultado de TSH fora dos valores de referência.

Tratamento do hipotireoidismo subclínico na gravidez

A avaliação tireoidiana é rotina no pré-natal. Não será objetivo desse texto falar sobre complicações do hipotireoidismo na grávida e no bebê. Muitas pacientes chegam para consulta com alterações leves dos hormônios tireoidianos e as condutas podem não ser muito homogêneas, principalmente quando é o caso do hipotireoidismo subclínico.

Quando o TSH está fora do valor de referência, mas o T4 livre ainda está dentro dos limites da normalidade, dizemos que é um hipotireoidismo subclínico. Na gestação, a conduta é diferente para mulheres adultas não grávidas em alguns aspectos.

Da mesma forma que na população geral, um TSH alto com T4 livre normal deve ser repetido. Na ocasião da nova coleta, solicitam-se os autoanticorpos, especificamente o anti-TPO.

Segundo a última diretriz da Associação Americana de Tireoide, nas mulheres grávidas com TSH > 2,5 mU/L devem ter seus autoanticorpos dosados para definir a conduta a ser tomada. A recomendação da reposição de hormônio tireoidiano no hipotireoidismo subclínico na gestação são as seguintes:

O tratamento do hipotireoidismo subclínico na gravidez é RECOMENDADO:

  • TSH acima do valor de referência com anti-TPO positivo
  • TSH > 10 mU/L com anticorpos negativos

O tratamento do hipotireoidismo subclínico na gravidez PODE SER CONSIDERADO

  • TSH > 2,5 mU/L e abaixo do valor de referência com anti-TPO positivo
  • TSH acima do valor de referência e abaixo de 10 mU/L com anticorpos negativos

O tratamento do hipotireoidismo subclínico na gravidez NÃO É RECOMENDADO

  • TSH abaixo do valor de referência e anticorpos negativos

Lembrando que os valores de normalidade podem variar conforme a referência utilizada pelo laboratório. Entretanto, é muito comum no nosso meio que se trate qualquer gestante no primeiro trimestre de gestação se o TSH estiver acima de 2,5 mU/L, mesmo sem autoanticorpos presentes. Esse tratamento é apenas recomendado em absoluto para mulheres que farão fertilização in vitro.

Considerações finais

Quando o assunto é tireoide, muito se fala se não estamos tratando demasiadamente. Conforme as diretrizes mais recentes, há uma possibilidade de não se tratar todas as gestantes se elas tiverem anticorpos negativos e TSH > 2,5 mU/L e abaixo do valor de referência do método e evitar o sobretratamento.

Converse com o seu médico e entenda qual as recomendações que ele segue ao prescrever ou não hormônio tireoidiano na gravidez.  

Referências

MORAIS, Nathalie Anne de Oliveira e Silva de et al . Recent recommendations from ATA guidelines to define the upper reference range for serum TSH in the first trimester match reference ranges for pregnant women in Rio de Janeiro. Arch. Endocrinol. Metab.,  São Paulo ,  v. 62, n. 4, p. 386-391,  Aug.  2018.  https://doi.org/10.20945/2359-3997000000064.

2017 Guidelines of the American Thyroid Association for the Diagnosis and Management of Thyroid Disease During Pregnancy and the PostpartumErik K. Alexander, Elizabeth N. Pearce, Gregory A. Brent, Rosalind S. Brown, Herbert Chen, Chrysoula Dosiou, William A. Grobman, Peter Laurberg, John H. Lazarus, Susan J. Mandel, Robin P. Peeters, and Scott SullivanThyroid201727:3315-389

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