O selênio é um mineral muito famoso para tratar doenças tireoide, juntamente com o iodo. Pudera, a tireoide é o órgão mais rico nesses minerais e tem diversas selenoproteínas. Essas proteínas têm em sua estrutura o selênio e são relacionadas às atividades antioxidantes e anti-inflamatórias e, talvez, por isso seu papel seja muito estudado na evolução das doenças autoimunes e outras doenças da tireoide (tireoidite de Hashimoto, Doença de Graves, tireoidite pós-parto e bócio).
Na produção dos hormônios tireoidianos são gerados radicais livres pela enzima tireoperoxidase. Esses radicais livres têm um oxigênio livre que pode danificar diversas estruturas da célula e, por isso, existem mecanismos naturais de defesa antioxidantes internos, através da família das glutationas peroxidases e outras enzimas. Nossa, bateu até uma nostalgia agora… Os mecanismos antioxidantes foram assunto da minha tese de doutorado, mas foi em diabetes. Quem quiser saber mais sobre esses mecanismos, tem um link para o texto da tese nas referências (1).
Além disso, há as selenoproteínas, chamadas de deiodinases, que participam na ativação e inativação dos hormônios. Por exemplo, a produção do T3, T3 reverso na glândula e do T3 nos tecidos periféricos tem a ação de selenoproteínas. Lembrando que o T3 é a forma ativa do hormônio tireoidiano.

Diante de tanta importância para tireoide, não é raro que quem tenha doença dessa glândula ou queira preveni-la suplemente selênio. Mas será que é necessário mesmo? Existe algum risco nisso?
Suplementação de selênio – a dose faz o veneno
Vamos falar um pouquinho do selênio e os problemas que podem ser causados pela sua falta e seu excesso. Na medicina, às vezes, observamos que algum componente do sangue ou alguma outra característica que a pessoa apresente se estiver em falta ou excesso é ruim para saúde. Se correlacionarmos com algum desfecho, essa característica pode desenhar uma curva em “U” ou em “J”.
A figura abaixo vai ilustrar melhor: a deficiência de selênio foi relacionada à maior mortalidade, mas o excesso também.

E tem mais ainda, os níveis tóxicos do selênio podem ser muito próximos aos níveis considerados ótimos. Por isso, a frase de Paracelsus “a dose faz o veneno” pode ser aplicada para o selênio. Muito selênio pode ser remédio ou veneno (2).
Os níveis de selênio podem ser medidos no plasma e refletem o estado nutricional, levando em conta a ingestão de selênio nos poucos dias anteriores. Mais sofisticada é a avaliação do selênio nos glóbulos vermelhos. Essa modalidade reflete a função da atividade antioxidante da GPX (uma selenoproteína) nesse elemento sanguíneo e verifica o estado nutricional baseado na ingesta do selênio nos últimos três meses.
Selênio para tireoide
Há quase uma década atrás, uma revista muito prestigiada, a Lancet, listou vários benefícios do selênio (3) pela compilação dos estudos feitos nos anos anteriores. Para tireoide, citaram a redução dos títulos de autoanticorpos e o potencial benefício do selênio na tireoidite de Hashimoto, no não desenvolvimento de tireoidite pós parto em mulheres com anticorpos positivos, no bócio e na Doença de Graves, sobretudo naqueles pacientes com oftalmopatia (quando os olhos ficam “saltados”). Os estudos que a publicação se baseou foram estudos epidemiológicos.
Vale comentar que os estudos epidemiológicos são aqueles em que se tenta correlacionar hábitos de vida, alimentação, exercício em muitas outras coisas a proteção ou maior risco de desenvolver doenças. Como o próprio nome diz, o pesquisador não faz nada ativamente, só observa e analisa as correlações que lhe interessa. Nenhuma intervenção é feita.
Já nos ensaios clínicos, alguma intervenção é feita. A intervenção é a base do experimento científico. Vai se testando se um remédio, um suplemento, um tipo de exercício físico etc. faz mesmo diferença no resultado final, que pode ser a redução de um fator de risco ou mesmo do aparecimento de uma doença. Quem não está atento aos estudos das vacinas contra covid. A vacina é uma intervenção e tem foi comparada ao placebo no desenvolvimento da infecção pelo coronavírus para ver se há alguma eficácia.
Os ensaios clínicos tem um melhor grau de evidência científica que os estudos observacionais. Mas mesmo os estudo de intervenção têm suas falhas na metodologia e temos sempre uma frase no final do estudo “precisamos mais estudos”, “esses achados necessitam ser confirmados” etc.
Novas evidências científicas observaram a redução dos autoanticorpos, mas não houve impacto na função da tireoide. Mesmo que o anti-TPO reduzisse na tireoidite de Hashimoto, não havia mudança sobre a progressão para o hipotireoidismo (alteração do TSH). Parece que não adiantou muito dar selênio, já que seria ótimo se os anticorpos não levassem à doença. Comentei sobre os anticorpos e a tireoidite de Hashimoto no último post.
Essas evidências foram resumidas e publicadas em uma revisão de uma revista de grande credibilidade em 2020. Nesse artigo, os autores relatam que estudos epidemiológicos sugeriram que havia um aumento da frequência de doenças da tireoide em pessoas com deficiência de selênio, mas o limite entre o deficiente e o tóxico é estreito, como já falado. Segue a lista dos destaques:
- Nas doenças autoimunes da tireoide (Hashimoto e Graves) a suplementação de selênio reduz os níveis de autoanticorpos, mas só que só que não diminuiu a porcentagem de pessoas que precisaram tomar medicação para tireoide em estudos de intervenção. Dar selênio não fez com que menor quantidade de pessoas precisasse usar medicação para tireoide.
- Estudos observacionais indicaram a deficiência de selênio como fator de rico para bócio, mas esse achado tem que ser confirmado com um estudo em que se dê selênio para ver se o desenvolvimento de bócio diminui (estudo de intervenção)
- Na Doença de Graves, a suplementação de selênio parece facilitar a normalização dos hormônios, mas esse resultado precisa ser confirmado.
- O tratamento com selênio é largamente utilizado entre os médicos clínicos nas doenças autoimunes da tireoide, mas atualmente é apenas recomendado para o tratamento de oftalmopatia de Graves leve.
Os autores concluem que esses achados deveriam mudar as atuais condutas em relação à suplementação de selênio para tireoide e reservar apenas para os casos de oftalmopatia de Graves leve.
Recomendações diárias e fontes de selênio na dieta
Bem, é fato que a deficiência de selênio não é boa. Então, qual é a recomendação da quantidade desse mineral e onde encontrá-lo?
Encontramos diversas recomendações diferentes em relação à quantidade ingerida de selênio. A recomendação de 55mcg para homens e mulheres é adotada em alguns no Reino Unido. No Brasil, para adultos, a ANVISA sugere 34mcg/dia para adultos. Em gestantes e lactantes é de 30 e 35mcg/dia, respectivamente (4).
As fontes alimentares: carnes, frutos do mar, laticínios, grãos e castanhas (a castanha do Pará é o alimento mais rico em selênio. Uma única castanha do Pará já fornece a quantidade suficiente de selênio por dia em qualquer idade ou situação. Mas como a castanha do Pará não é um alimento comum na mesa do brasileiro e nem é para todos os bolsos, eu deixo como sugestão para consulta de fontes alimentares um artigo que fala de alimentos típicos da culinária local, que começa já pelo feijão com arroz (5).

Considerações finais
Para os pacientes, eu diria que mesmo que você esteja convencido que o selênio faz bem para sua saúde, tenha cuidado com os excessos. Suplemente apenas se a deficiência em selênio seja realmente comprovada, já que muito selênio pode fazer mal. A menos que você tenha alguma uma dieta extremamente restrita ou que tenha alguma condição que leve à deficiência de absorção de minerais, como é a cirurgia bariátrica, a deficiência de selênio é coisa rara. Procure ajuda profissional, não faça suplementação por conta própria.
Para os colegas médicos e demais profissionais de saúde que mexem com suplementação, também deixo o recado de cautela na suplementação de selênio. Não há evidências científicas que ele faça diferença na maioria dos problemas de tireoide conforme as últimas publicações.
Referências
- VIEIRA, Suzana Maria de Souza. Estudo da associação entre polimorfismo em genes relacionados ao metabolismo da glutationa e a suscetibilidade a complicações microvasculares no diabete melito tipo 1 [doi:10.11606/T.5.2009.tde-22062009-194802]. São Paulo : Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, 2009. Tese de Doutorado em Endocrinologia.
- Winther KH, Rayman MP, Bonnema SJ, Hegedüs L. Selenium in thyroid disorders – essential knowledge for clinicians. Nat Rev Endocrinol. 2020 Mar;16(3):165-176. doi: 10.1038/s41574-019-0311-6. Epub 2020 Jan 30. PMID: 32001830.
- Margaret P Rayman,Selenium and human health,The Lancet. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)61452-9.
- REGULAMENTO TÉCNICO SOBRE A INGESTÃO DIÁRIA RECOMENDADA (IDR) DE PROTEÍNA, VITAMINAS E MINERAIS”http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2005/rdc0269_22_09_2005.html
- Concentrações de selênio em alimentos consumidos no Brasil
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