Doença Renal do diabetes

Live sobre doença renal do diabetes

Doença Renal do Diabetes e Nefropatia diabética

Há quase duas décadas atrás, a gente nomeava o acometimento do rim pelo diabetes com nefropatia diabética. Como a maioria das complicações do diabetes descompensado, o dano ao rim pode ser assintomático. Considerando esse fato, a gente rastreia, tenta diagnosticar precocemente através do exame de sangue e de urina.

Antigamente, nós víamos só o exame de urina. A lesão do rim pela glicose alta leva a perda de albumina na urina. O exame que vê isso é a albuminúria (geralmente chamada de microalbuminúria). Microalbuminúria positiva era o único sinônimo do dano renal pelo diabetes e a gente chamava a doença de nefropatia diabética. 

Porém, a perda da função renal decorrente do diabetes descompensado pode acontecer mesmo sem a perda de proteína. A partir dessa ciência, o termo sugerido é de Doença Renal do Diabetes.

Como saber se os rins estão funcionando bem?

Como a gente avalia a função do rim? Pelo volume de sangue que é filtrado a cada minuto que passa pelos glomérulos, que são como “peneiras”  que retém o que é importante antes de acabar na urina. Os glomérulos são esses novelos de vasos contidos nos néfrons.

Na prática, a gente usa a dosagem da creatinina, que é uma substância derivada do metabolismo da creatina no músculo. A creatinina é filtrada pelo rim e que não é reabsorvida, diferente da glicose que é totalmente reabsorvida. Quando a função do rim é normal a creatinina tem passe livre na peneira e praticamente a mesma creatinina que passa pelo rim aparece na urina. A creatinina no sangue e na urina não variam muito ao longo do dia. 

Quando a filtração renal do sangue começa a ficar prejudicada, a creatinina começa a se acumular no sangue e diminuir na urina. As peneiras não estão funcionando bem e o sangue começa a ficar com muita creatinina (além de ureia, potássio e muitas outras substâncias tóxicas).

Pelo valor de creatinina no sangue, várias fórmulas estimam essa taxa de filtração glomerular. Geralmente, o valor da fórmula está no rodapé da creatinina como TGFe – taxa de filtração glomerular estimada, que diferencia os valores da normalidade para raça branca, que tem menos músculo e deve ter uma creatinina menor que a raça negra, que é mais musculosa. 

Algumas vezes, é necessário medir de forma mais direta essa filtração e pode ser solicitado o clearance de creatinina. Clearance é uma palavra inglesa que quer dizer limpeza, depuração.  O clearance de creatinina é o volume de sangue que é limpo dessa substância (e de outras, por “tabela”) por cada minuto.  Esse exame é feito através da urina de 24h, onde se dosa a creatinina urinária e compara com a creatinina do sangue, considerando o volume da urina nesse período. Quanto mais creatinina no sangue e menos creatinina na urina, se conclui que a limpeza do sangue no geral está ruim. Esse método de avaliação é menos utilizado hoje em dia, apenas quando as fórmulas não são tão adequadas para avaliar, como por exemplo, paciente que tem muita ou pouca massa magra e, portanto, uma creatinina maior ou menor que a população geral.

O valor de normalidade da função renal pelo clearance de creatinina e estimado pela taxa de filtração é maior que 90ml/1,73m2 de sangue ou mais limpos por minuto, normalizados pela superfície corporal, raça, idade e sexo. 

Albuminúria

As “peneiras” que são os glomérulos dos néfrons podem deixar escapar proteínas. Quando os poros do glomérulo ficam menos seletivos, mas a quantidade de sangue filtrada é suficiente para deixar o sangue “limpo” de toxinas a gente diz que há uma lesão renal; A função renal é avaliada pelo ritmo de filtração glomerular estimado pela creatinina do sangue. A perda de albumina é quase sinônimo de doença renal do diabetes.

Como pode ser assintomática, para detecção da doença renal do diabetes, é solicitado a pesquisa de albuminúria ou microalbuminúria na urina.

Antes, esse exame era solicitado em urina de 24h. Hoje, se pede apenas em amostra de urina isolada. Importante aqui acrescentar que a análise da microalbuminúria em amostra isolada deve ser feita considerando a sua relação com a creatinina na mesma amostra. Alguns laboratórios já fazem essa relação, para outros, deve-se solicitar junto a dosagem de creatinina em amostra isolada e fazer o cálculo. O resultado é dado em mg de albumina por g de creatinina.

Se o exame vier alterado, ele deve ser repetido com intervalo de 3 a 6 meses e devemos considerar o resultado se duas em três amostras vierem alteradas.

Alguns pacientes podem se queixar de urina espumosa se a quantidade de proteína perdida é muito intensa.

O rastreamento da doença renal do diabetes deve ser feito ao diagnóstico do diabetes tipo 2 e após 5 anos do diabetes tipo 1 com dosagem de albumina na urina isolada (microalbuminúria) e creatinina no sangue para avaliar a taxa de filtração glomerular.

Classificação da Doença Renal do Diabetes

Combinando a taxa de filtração glomerular com a perda de proteína, temos a classificação da Doença Renal do Diabetes em vários estágios, conforme tabela abaixo. Juntando a classificação da função e lesão renal (TFG + albuminúria) temos o prognóstico (risco futuro) do paciente precisar diálise ou transplante, também chamados de terapia substitutiva.

Quando procurar um nefrologista?

A resposta é: quando a taxa de filtração glomerular estiver abaixo de 60ml/min. abaixo desse valor, há mais alterações do equilíbrio dos minerais e de outras substâncias no sangue que o nefrologista vê com detalhes. Se quiser saber mais, eu sugiro dar uma olhada na live que eu fiz com uma nefrologista (link acima).

Existem outras situações em que o nefrologista pode ser envolvido de forma mais precoce, geralmente quando se suspeita de outra doença renal que não provocada pelo diabetes. As situações são as seguintes:

  • Proteinúria em pacientes com diabetes tipo 1 com menos de cinco anos do diagnóstico
  • Início abrupto ou proteinúria que progride rapidamente
  • Queda rápida da taxa de filtração glomerular (> 4ml/min/ano)
  • Sedimento urinário alterado (células, bactérias, etc.)
  • Manifestações clínicas de outras doenças sistêmicas (exemplo – lúpus eritematoso sistêmico)
  • Ausência de retinopatia ou neuropatia diabética (as complicações crônicas geralmente andam juntas)
  • Queda rápida da TGFe, acima de 30%, após o início de inibidores da enzima conversora ou do receptor de angiotensina II (vide tratamento)

Tratamento da doença renal do diabetes

Para prevenir a doença renal do diabetes, a gente bate mais uma vez na tecla da mudança de estilo de vida, tais como dieta, atividade física, cessar o tabagismo etc. Além disso, é fundamental que se controle bem o diabetes, a pressão e as gorduras no sangue. Quando o rim não funciona bem, as doses das medicações devem ser revistas. Esse ajuste está detalhado na publicação sobre doença renal da Sociedade Brasileira de Diabetes (1).

As medicações próprias para essa complicação, são os inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) quando a albuminúria está presente, mesmo em pacientes com pressão arterial normal.

Os inibidores da enzima  conversora (IECA) OU os bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRA) são largamente utilizados para controle da pressão e são as medicações de escolha para pacientes diabéticos hipertensos. Não se recomenda associar essas duas classes de medicação. 

A ativação contínua do SRAA leva ao aumento da resistência nos vasos do rim e da periferia, aumentando a constrição dos vasos das arteríolas renais e aumentando a pressão dentro do glomérulo. Aumenta ainda o estresse oxidativo, levando à disfunção endotelial e leva a proliferação de células mesangiais. O bloqueio desse sistema leva à vasodilatação da arteríola eferente e redução da pressão no glomérulo.

Como exemplos dos IECAs temos os “pris”, como o enalapril, captopril, lisinopril etc. Já dos BRA, temos “sartanas” a losartana, olmesartana, valsartana etc.

Novas medicações para doença renal do diabetes

Inibidores do co-transportador sódio-glicose (Isglt2)

Quando o iSGLT2 inibe a reabsorção de sódio no túbulo contorcido proximal, sobra mais sódio no túbulo distal. Esse aumento é sentido pela mácula densa e, por sua proximidade com a arteríola aferente, faz com que ela se contraia e diminua a pressão dentro do glomérulo. A esse processo, chamamos de tubuloglomerular feedback

A pressão aumentada dentro do glomérulo é uma das primeiras alterações que ocorrem na nefropatia diabética. Despressurizando o glomérulo, há redução da progressão da doença renal no diabetes. É por isso também que o iSGLT2 podem aumentar temporariamente a creatinina e reduzir a taxa de filtração glomerular a curto prazo, mas a longo prazo, ela protege contra o declínio da função renal, como já provado em vários estudos clínicos.

Finerinone

Na doença renal do diabetes há um hiperaldosteronismo relativo. A aldosterona tem efeitos pró-inflamatórios além dos efeitos classicamente descritos sobre o equilíbrio hidroeletrolítico. Como a aldosterona, a finerinone pode aumentar o potássio, mas  a incidência desse problema é menor.

Outra medicação vem se mostrando promissora em reduzir a progressão da doença renal no diabetes e os eventos cardiovasculares a ela associados. A medicação é o finerinone, que é um antagonista não esteroidal mineralocorticoide que bloqueia a ação da aldosterona, via final do SRAA. Ela faz o efeito semelhante ao esteroide espironolactona.

Essa medicação é utilizada sobre as medicações clássicas (IECA e BRA) que inibem o sistema renina-angiotensina-aldosterona já descritos anteriormente.

Considerações finais

A doença renal do diabetes, junto com a hipertensão, é uma das principais causas que levam ao paciente para diálise ou transplante (terapias substitutivas). Pode ser assintomática e o endocrinologista deve fazer a detecção precoce dessa complicação tão comum em pacientes com diabetes.

A prevenção é mesmo com foco nos fatores de risco para evitar esse problema. Depois, só conseguimos atuar para frear a progressão da doença. Nesse tema, novas drogas surgem no cenário para minimizar a avanço da doença e os eventos cardiovasculares associados.

Referências

  1. Sá J, Canani L, Rangel E, Bauer A, Escott G, Zelmanovitz T, Silveiro S, Bertoluci M. Doença renal do diabetes. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022). DOI: 10.29327/557753.2022-18, ISBN: 978-65-5941-622-6.
  2. Heerspink HJ, Perkins BA, Fitchett DH, Husain M, Cherney DZ. Sodium Glucose Cotransporter 2 Inhibitors in the Treatment of Diabetes Mellitus: Cardiovascular and Kidney Effects, Potential Mechanisms, and Clinical Applications. Circulation. 2016 Sep 6;134(10):752-72. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.116.021887. Epub 2016 Jul 28. PMID: 27470878. Roscioni SS, Heerspink HJ, de
  3. Zeeuw D. The effect of RAAS blockade on the progression of diabetic nephropathy. Nat Rev Nephrol. 2014 Feb;10(2):77-87. doi: 10.1038/nrneph.2013.251. Epub 2013 Dec 3. Erratum in: Nat Rev Nephrol. 2014 May;10(5):243. PMID: 24296623
  4. DeFronzo RA, Bakris GL. Modifying chronic kidney disease progression with the mineralocorticoid receptor antagonist finerenone in patients with type 2 diabetes. Diabetes Obes Metab. 2022 Jul;24(7):1197-1205. doi: 10.1111/dom.14696. Epub 2022 Apr 18. PMID: 35302284; PMCID: PMC9323420.

 

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