Foi necessário que um vírus entrasse dentro das nossas fronteiras para que víssemos a importância do Sistema Único de Saúde e da Universidade Pública.
A Universidade Pública e o SUS
Sei que sou uma privilegiada em ter tido a oportunidade de estudar em uma Universidade Pública de Pernambuco, a UFPE. Foi nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) de Recife que ocorreram os meus primeiros contatos com pacientes de enfermarias e ambulatórios.
Naquele tempo, não existiam tantas universidades como agora, principalmente universidade particulares de medicina. A minha graduação foi em 1998. O aprendizado continuou em São Paulo nas residências dentro de outro serviço do SUS, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
Depois das residências e paralelamente à minha pós-graduação na FMUSP, estudando complicações do diabetes em pacientes do HC, eu fui médica concursada desse e de outro hospital público. Bons tempos aqueles em que existiam concursos…
Transformação das relações de trabalho
Ainda por volta de 2004, ao término da residência médica já se falava na necessidade de que todos profissionais de saúde terem uma pessoa jurídica, seja para receber o pagamento dos serviços prestados na forma de plantões em hospitais privados ou de consultas médicas de convênios, entre outras atividades.
Os “prestadores” médicos são remunerados através das suas pessoas jurídicas e o “salário” passa a ser a “prestação de serviço” mediante emissão de nota fiscal. Muitos fazem seguros profissionais para manter uma renda mínima caso não consigam trabalhar. Se não trabalham, não ganham. Ainda que concursada, mesmo não necessitando de CNPJ para receber a maior parte dos meus rendimentos, eu não achava prudente ficar de fora dessa tendência e entrei numa sociedade médica.
Saúde suplementar
Nem todo tempo de trabalho como médica foi no serviço público, experimentei atendimento em clínicas e hospitais privados. Entendo um pouco como é a dinâmica das relações pessoais e financeiras.
Tenho uma visão que as relações entre os três atores envolvidos na saúde suplementar (paciente, médico e plano de saúde) são permeadas por insatisfações: de um lado, o paciente ou “cliente” que paga uma mensalidade cara para o plano de saúde e quer usufruir o máximo da consulta com o médico com frases: ˜peça tudo que eu tenho direito, doutora!” . Do outro lado da mesa do consutório, está o médico ou “prestador” que é mal remunerado pelo intermediário (plano de saúde) e com atraso de pelo menos dois meses entre realização da consulta e o seu pagamento.
Comumente, os prestadores de serviço (leia-se médicos) trabalham com maior número de consultas e procedimentos para obter uma remuneração que lhe pareça razoável. Entendo, em parte, as demandas de pacientes e médicos nessa relação intermediada pelos planos de saúde.
Passagem pelo mundo corporativo
“Mas será que o mundo corporativo não é melhor?˜ Eu tinha essa pergunta na cabeça. Uma oportunidade surgiu para eu ir trabalhar em uma empresa do ramo farmacêutico em 2012, e eu conto um pouco dessa história em um podcast. A experiencia foi muito interessante para eu ver que a “grama do vizinho é mais verde” não se aplicava ao mundo corporativo, principalmente se a pessoa tem um cargo gerencial.
A meritocracia, a competitividade, a prontidão do empregado para as estratégias da empresa comprometiam as relações entre os colegas e a disponibiliade de tempo para vida pessoal. A carga horária de trabalho era estendida além do que aparentemente fora contratado (na minha impressão). Não era raro que o trabalho se estendesse pela noite, pelos fins de semana e feriados. Sem dúvida, foi uma experiência interessante de grandes aprendizados e que não me arrependo de ter passado por ela.
De volta às origens
Em 2015, quando eu decidi sair da empresa que trabalhava, adivinhem onde voltei a trabalhar? A resposta é: no SUS! Só que não era mais o SUS que havia deixado há três anos antes por ocasião da minha entrada no mundo corporativo.
Ha cinco anos atrás, eu não ouvia mais notícias de concursos médicos para minha especialidade e nem para outras áreas. No lugar de concursos, havia contratações pelas Organizações Sociais (OS) para trabalhar em serviços médicos da Prefeitura e do Estado de São Paulo. Confesso que eu nem sabia bem o que era uma OS… Pelo menos, que bom que eu havia garantido pelo menos um trabalho com carteira assinada! Eu sempre achei e ainda acho bom.
Na verdade, a contratação por CLT está ficando mais escassa para trabalhar no serviço público à medida que o tempo passa. Não tinha ciência da “pejotização” e privatização dos equipamentos públicos de saúde em curso há já algum tempo.

Da minha formação e especialização para cá, vários médicos foram sendo formados por universidades privadas e o “exército de reserva” na área de medicina está cada vez maior. Fica mais fácil repor um profissional médico, principalmente se ele não tem especialização.
Muitos colegas se sujeitam às condições insalubres e assédios morais no trabalho para não perder os seus empregos formais ainda e ser prontamente substituidos. Se desistirem dos empregos formais, ainda correm o risco de “saltar da frigideira para o fogo” como empreendedores, já que muitos médicos não têm o dom de gerir uma empresa.
Alternativas ao SUS
Sim, há muitos problemas no SUS. Filas para consultas, para exames, dificuldade para diversos tratamentos e medicações. Eu não quero nem tenho condições de analisar em profundidade as causas desse problema, mas certamente passa pela má gestão dos recursos financeiros. Quais são as alternativas ao SUS?
A olhos vistos, o SUS estava sendo sucateado e planos populares vinham surgindo como uma alternativa aos atendimentos gratuitos pelo SUS para aquelas pessoas que não tinham plano de saúde.
Os planos populares atendem até certo ponto às necessidades dos pacientes. Consultas e exames mais baratos podem ser pagos por uma parcela da população para os planos populares num primeiro momento, mas esses mesmos pacientes terminam voltando ao SUS quando há indicação de de exames de maior complexidade, tratamentos de alto custo, internações e cirurgias.
Na minha visão, o sucateamento da saúde pública reflete a escassez de investimentos nesse setor. Na universidade pública, o cenário não tem sido diferente.
O Vírus e o Zepelim
Agora, em 2020, na crise do coronavirus no Brasil, o SUS parece ressurgir como a personagem Geni, da canção Geni e o Zepelin, diante da ameaça do capitão para toda uma determinada população.
Depois de tanta pedra atirada no SUS, ele surge como o salvador da pátria amada, juntamente com os centros de pesquisa públicos. Ambos, SUS e universidades públicas são convocados, respectivamente, para minimizar mortes pelo covid-19 através da assistência à população e desenvolvimento de uma vacina contra esse vírus em menor tempo possível.
Não podemos esquecer que na universidade pública foi dado o primeiro passo na batalha contra o coronavírus, com o sequenciamento do código genético viral por cientistas mulheres. Quanto orgulho delas!
O SUS pode nos salvar e a chegada do vírus indesejado pode redimir dos erros feitos até agora contra a saúde, demais serviços públicos e políticas sociais. A pandemia do covid-19 veio colocar o modelo econômico atual em xeque e expor a nossa fragilidade humana.
Só espero que o final seja diferente para o SUS se comparado ao fim da Geni da famosa canção. Muito pelo contrário, espero que o SUS saia dessa crise muito fortalecido, reconhecido, e que Governo e população acordem para o risco do Estado mínimo e do limite de gastos para área da saúde.

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Um forte abraço,
Suzana
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