Consulta com endocrinologista pelo SUS

Muitas pessoas me perguntam como se faz para passar em consulta comigo no SUS.  Considerando a frequência alta dessa pergunta, resolvi deixar registradas algumas linhas sobre esse tema. Se você quiser uma resposta mais direta, vá para o fim do texto.

Sistema Único de Saúde

Embora todas as pessoas tenham direito à assistência gratuita (princípio da universalização do SUS), o princípio da equidade diz que as pessoas não são iguais e, por isso, têm necessidades distintas.  No âmbito do sistema nacional de saúde, esse princípio se evidencia, por exemplo, no atendimento aos indivíduos de acordo com suas necessidades, oferecendo mais a quem mais precisa e menos a quem requer menos cuidados. Alguns casos mais graves têm prioridade de atendimento em relação a outros que não sejam graves. 

Os serviços são organizados de forma a oferecer assistência hierarquizada conforme a complexidade de cada caso, ou seja, casos de promoção de saúde e casos menos complexos podem e devem ser acompanhados na Unidade Básica de Saúde (UBS), o famoso “postinho”. Pensando que casos mais simples são os mais frequentes, é natural e esperado que haja número maior de generalista em comparação com especialistas. De fato, os problemas de saúde mais frequentes devem ser resolvidos na unidade básica; os de média complexidade, nos ambulatórios de especialidade e dos de altíssima complexidade, nos grandes hospitais universitários e grandes centros de saúde. 

Aqui, eu poderia dar um exemplo prático dos pacientes com diabetes que precisam usar várias doses de insulina exigem atendimento num nível de complexidade maior que os pacientes que controlam só com dieta ou usam apenas um tipo de comprimido para o controle da glicemia. Os primeiros pacientes, necessariamente, devem ser encaminhados para o especialista e teriam prioridade, enquanto no segundo exemplo, os médicos generalistas estão aptos a conduzir o tratamento.

Em São Paulo, casos de média complexidade que requeiram cuidado especializado são encaminhados para os Assistência Médica Ambulatorial Especializada(AMAE)  ou Ambulatório Médico Especializado (AMA). Existem outros serviços de atendimento especializados que também realizam exames chamados de Rede Hora Certa.   O AMAE é administrado prefeitura e o AME é gerido pelo Estado, em geral, através de Organizações Sociais. 

 A regionalização, como a hierarquização, é um princípio organizativo que determina área geográfica para que se facilite a articulação entre os serviços, visando comando unificado deles. O fluxo dos pacientes entre os serviços de baixa, média e alta complexidade acontece entre regiões geográficas dentro de cada município, e entre cidades para os serviços estaduais.

Para passar em qualquer endocrinologista, primeiramente a pessoa tem que ser encaminhada de outro médico (frequentemente é o clínico do posto ou médico de família) para a especialidade. A unidade para qual a pessoa será encaminhada respeitará o princípio da regionalização. Nem as todas unidades que tenham endocrinologista atendem todos os tipos de doença. Algumas não acompanham pacientes crônicos, como é o caso de alguns Ambulatórios Médicos de Especialidade (AME), geridos pelas Organizações Sociais para o Estado.

Uma vez que o médico generalista encaminha (referência) o paciente para um ambulatório de especialidade podemos ter três cenários:

  1. O paciente realmente precisa de um cuidado especializado será acompanhado pelo especialista na unidade;
  2. O paciente pode ser acompanhado na unidade básica de saúde e o especialista escreve seu parecer e sugestão de tratamento para o médico generalista, que vai conduzir o tratamento. Essa devolutiva ao médico generalista se chama contrarreferência;
  3. O paciente necessita de atendimento de mais alta complexidade e é referenciado para um grande centro de saúde ou hospital universitário. 

Por outro lado, quando há cura ou controle da doença, o nível de complexidade pode ser decrescente, ou seja, os hospitais podem encaminhar para os centros de especialidade ou para a unidade básica de saúde. 

Sobre meu trabalho no SUS 

Atualmente, atendo regularmente no serviço de Assistência médica Ambulatorial Especializada (AMAE) Santa Cecília. Nesse serviço municipal, acompanho alguns pacientes crônicos que tenham quadros de saúde mais complexos e casos novos que são encaminhados das unidades básicas (UBS) ou postos de saúde da região.  Frequentemente, faço a contrarreferência para UBS com o meu parecer sobre o caso logo após a primeira consulta, ou um tempo depois do problema complexo ter se resolvido completamente ou ter sua complexidade compatível com a assistência básica.

Eventualmente, faço plantões avulsos em outras unidades de saúde. 

Não temos diretrizes específicas para os casos que devem ser encaminhados para a assistência médica especializada em São Paulo. Um exemplo de protocolo que considero muito interessante e que frequentemente uso como um guia é protocolo de encaminhamento desenhado para o estado do Rio Grande do Sul.

A falta de padronização dos casos que devem ou não ficar no especialista explica porque alguns endocrinologistas mantêm acompanhamento de casos que possam ser acompanhados pelos médicos generalistas, ao meu ver. Há de se ter, como em qualquer lugar, boa pitada de bom-senso do especialista e de compreensão por parte do paciente quando é hora de deixar de maior complexidade para o de menor complexidade.

Dificuldades e oportunidades 

Vivemos uma era de maior valorização de especialistas em detrimento dos generalistas. Os próprios pacientes acham que PRECISAM ser acompanhados por vários especialistas e não veem que o cuidado é fragmentado. Na verdade, todos precisam de um bom médico generalista, que pode ou não lançar mão dos especialistas. Mais uma vez, o especialista pode servir como um consultor ou ter a responsabilidade de assumir o tratamento do paciente em questão. 

Não poderia deixar de comentar que a dificuldade de marcar consultas na assistência básica deixa os pacientes inseguros em deixarem seus especialistas, mas as queixas e soluções podem ser direcionadas pela Participação Popular nos Conselhos e Conferências de Saúde.  Na leitura complementar, um blog de uma usuária do SUS, portadora de diabetes, que participa ativamente no controle social através do conselho gestor (Diabetes e Democracia) na UBS/AMA Santa Cecília, com quem tive a oportunidade trabalhar quando também fui conselheira representando os trabalhadores. 

Finalizando…

Voltando à primeira questão: como passar comigo em consulta no SUS? Primeiro, você deve ser encaminhado de outro médico que seja da região onde minha unidade é referência e ter um pouco de sorte para ser agendada no meu dia. Não tenho poder de marcar consulta para ninguem e muito menos escolher o dia de retorno da consulta.  Uma vez que consiga ser atendido por mim e não seja o caso que necessite acompanhamento especializado, posso fazer a contrarreferência (devolução) para o serviço de origem, baseada nos princípios e motivos descritos nos primeiros parágrafos desse texto.  Acredito também cumprir os princípios do SUS dá fluidez à minha agenda, deixando espaço aberto para os casos que realmente precisem da especialidade ou para um eventual retono se um paciente que necessite voltar em menor tempo.

Leitura complementar

  1. Princípios do SUS
  2. Protocolos de encaminhament da atenção básica para especializada – Endocrinologia 
  3. Diabetes e Democracia
  4. Pense SUS – equidade 
  5. Pense SUS – integralidade