Diabetes monogênico
Atualizado em 04/11/2023
Os genes dão instruções para produção de proteínas no organismo. Se o gene tem alguma mutação, a proteína que ele produz pode não funcionar adequadamente. No caso do diabetes, alterações genéticas podem levar a alterações na produção de insulina ou na capacidade da insulina diminuir os níveis de glicose no corpo.
O defeito está na secreção de insulina, que é menos sensível aos níveis de glicemia circulantes. A insulina só começa a ser secretada com níveis maiores de glicose do que em pessoas sem diabetes.
Os tipos mais comuns de diabetes, o tipo 1 (DM1) e tipo 2 (DM2), são consideradas doenças poligênicas, isto é, as alterações que predispõem a essas doenças estão em vários genes. A predisposição genética associada a fatores ambientais (como obesidade no caso do DM2) são fatores de risco para o desenvolvimento do diabetes.
Existem dois formas de diabetes que são resultado da mutação em um único gene, por isso, denominadas de monogênicas: o diabetes neonatal e o tipo MODY (do inglês Maturity-Onset Diabetes of the Young).
TIPOS DE MODY E MANEJO
Nesse texto, serão abordadas algumas informações sobre o MODY. Antigamente, os tipos de MODY eram denominados por número: MODY 1, MODY 2, MODY 3 e assim por diante. Hoje em dia, eles são nomeados pelos genes mutados.
Gene | Proteina | Função | Tratamento | Herança |
HNF4A (antigo MODY 1) | Fator hepatocítico nuclear 4α | Fator de transcrição da célula beta | 1ª linha – sulfonilureia | Autossômica dominante |
2ª linha – análogos de GLP1, insulina | ||||
GCK (antigo MODY 2) | Glucoquinase | Sensor de glicose, primeiro passo limitante no metabolismo celular da glicose (glicólise) | Nenhuma medicação ou dieta, exceto se gravidez | Autossômica dominante |
OU | ||||
Diabetes neonatal: autossômica recessiva (diagnóstico com < 6 meses de vida) | ||||
HNF1A (antigo MODY 3) | Fator hepatocítico nuclear 1α | Fator de transcrição da célula beta | 1ª linha – sulfonilureia em baixa dose ou meglitinidas | Autossômica dominante |
2ª linha – análogos de GLP1, iDPPIV, insulina | ||||
PDX1 (antigo MODY 4) | Proteína homeobox 1 pâncreas/duodeno | Desenvolvimento e função do pâncreas e célula beta (pode acarretar atrofia pancreática) | 1ª linha – antidiabéticos orais (ADOs)/sulfonilureias | Maioria autossômico recessivo |
2ª linha – Insulina | ||||
HNF1B (antigo MODY 5) | Fator hepatocítico nuclear 1β | Fator de transcrição da célula beta. Pode haver malformações geniturinárias e atrofia pancreática | Minoria responde às sulfonilureias, pode precisar de insulina | Autossômica dominante |
NEUROD1 (antigo MODY 6) | Fator de diferenciação neurogênico 1 | Fator de transcrição da célula beta | 1ª linha – dieta, ADOs/sulfonilureias | Autossômica dominante |
2ª linha – insulina | ||||
KLF11 (antigo MODY 7) | Fator Krueppel-like 11 | Fator de transcrição de dedo de zinco que se liga a sequências semelhantes a SP-1 em promotores dos genes épsilon e gama-globina. Esta ligação (quando funciona normalmente) inibe o crescimento celular e a apoptose | Insulina | Autossômica dominante |
CEL (antigo MODY 8) | Lipase carboxil éster | Função exócrina do pâncreas (se mutada, leva à atrofia pancreática e insuficiência pancreática exócrina) Fibrose e lipomatose levando ao diabetes | 1ª linha – ADOs/sulfonilureias | Deleção de números variáveis de repetições em tandem |
2ª linha – insulina (o pâncreas precisa ser danificado/destruído para necessitar de tratamento) | ||||
PAX4 (antigo MODY 9) | Paired box 4 | Diferenciação do pâncreas endócrino derivado da endoderme | 1ª linha : dieta, ADOs/sulfonilureias | Autossômica dominante |
2ª linha – insulina | ||||
INS (antigo MODY 10) | Insulina | Produção ou ação da insulina | Dieta, ADOs/sulfonilureias ou insulina (pode ser insulina em baixas doses) | Autossômica dominante |
OU | ||||
Diabetes neonatal: dominante, geralmente “de novo” ou recessiva | ||||
BLK (antigo MODY 11) | Proteína tirosina-quinase BLK | Expresso em células β, onde aumenta a síntese e secreção de insulina em resposta à glicose, regulando positivamente os fatores de transcrição Pdx1 e Nkx6.1 | 1ª linha – dieta, ADOs/sulfonilureias | Autossômica dominante |
2ª linha – insulina | ||||
ABCC8 (antigo MODY 12) | Subunidade do canal de KATP do receptor de sulfonilureia na célula β | O fechamento do canal de potássio sensível ao ATP leva à despolarização da membrana das células beta, influxo de cálcio e fusão dos grânulos secretores de insulina com a membrana das células β | 1ª linha – sulfonilureias | Autossômica dominante |
2a linha – inibidor do SGLT-2, insulina | ||||
OU | ||||
Diabetes neonatal: dominante, geralmente “de novo” ou recessiva | ||||
KCNJ11 (antigo MODY 13) | Subunidade do canal de KATP na célula β | O fechamento do canal de potássio sensível ao ATP leva à despolarização da membrana das células beta, influxo de cálcio e fusão dos grânulos secretores de insulina com a membrana das células β | ADOs/sulfonilureia, insulina | Autossômica dominante |
OU | ||||
Neonatal diabetes: dominante, geralmente “de novo” | ||||
APPL1 (antigo MODY 14) | Proteína adaptadora, interação com fosfotirosina, domínio PH e zíper de leucina 1 | Proteína que se liga à AKT na via de sinalização da insulina | 1ª linha – Dieta, ADOs/sulfonilureias | Autossômica dominante |
2ª linha – insulina | ||||
WSF1 | Wolframina | Função do retículo endoplasmático | Abordagem multidisciplinar (diabetes insípidus, DM, hipogonadismo, manifestações psiquiátricas, manifestações neurológicas) | Autossômica recessiva |
Abreviaturas: iDPP-4, inibidor da dipeptidil peptidase-4; GLP-1, agonista do receptor do peptídeo 1 semelhante ao glucagon; KATP, canal de potássio ATP-sensível ao potássio; ADO, antidiabético oral; iSGLT-2, inibidor do cotransportador sódio-glicose-2.

TIPOS COMUNS DE MODY
O MODY acomete cerca de 1 a 5% dos casos de diabetes em jovens. Como é resultado de alteração em um único gene, testes genéticos para o diagnóstico desse tipo de diabetes podem ser realizados. Na maioria dos casos, a mutação é herdada de um dos pais e o diabetes geralmente aparece em todas as gerações sucessivamente, por exemplo em um dos avós, em um dos pais e um dos filhos. A herança é autossômica dominante, o que significa que os filhos de portadores de MODY apresentam 50% de chance de herdarem a mutação.
O tipo mais comum é o MODY-GCK, da glucoquinase. A hiperglicemia de jejum é levemente alterada, desde o nascimento. É assintomático e geralmente não evolui com complicações crônicas do diabetes. Outros tipos comuns:
– O MODY-HNF4A tem boa resposta ao tratamento com sulfonilureias. Pode ter associação com bebês grandes (macrossomia) e hipoglicemia ao nascimento.
– MODY-HNF1A tem glicemia alta no início da infância ou adolescência. A glicose na urina quando presente é desproporcionalmente maior ao esperado para glicose no sangue. Tem boa resposta às sulfonilureias.
– MODY-HNF1B é comum e pode vir acompanhado de cistos renais e malformações no sistema geniturinário. Pode haver também atrofia pancreática. Não tem boa resposta às sulfonilureias e insulina pode ser necessária no tratamento.
O diagnóstico é feito geralmente na adolescência ou no adulto jovem por exame de rotina, pois pode haver nenhum ou poucos sintomas já que os níveis glicêmicos não são costumam ser elevados.
Na infância, o MODY pode ser confundido com DM1 por conta da faixa etária e no adulto pode ser confundido com o DM2. Ao contrário do DM1, o MODY diagnosticado na infância não necessita de insulina quando diagnosticado e os autoanticorpos estão ausentes.
No adulto, a diferença entre o MODY e o DM2 reside no fato que pacientes com MODY geralmente não têm outras condições que se encontram no DM2, como sobrepeso, hipertensão e alterações de gorduras no sangue (dislipidemia). Em muitos casos, nas mulheres, o diabetes é diagnosticado durante a gestação.
O tratamento depende do tipo de mutação que causa do MODY. Existem mais de 10 subtipos de MODY reconhecidos. As formas mais comuns são facilmente controladas com dieta e medicações orais quando necessário, e geralmente cursam com pouco risco de complicações em longo prazo.
No caso de suspeita de diabetes monogênico (neonatal ou MODY), o médico deve ser consultado para avaliar a necessidade da realização de testes e aconselhamento genético. Existem paineis genéticos em grandes laboratórios privados e em instituições públicas de ensino, como a Universidade de São Paulo.
Em poucas palavras
- Mutações em um único gene pode causar formas raras de diabetes
- Testes genéticos podem identificar a maioria das formas de diabetes monogênico
- O médico avalia se o teste genético é apropriado para o caso
- O diagnóstico correto auxiliado pelo teste genético (quando aplicável) pode orientar para o melhor tipo de tratamento
Há também outros tipos de diabetes que são diferentes do tipo 1 e 2 além do MODY. Confira no link: https://drasuzanavieira.med.br/tag/outros-tipos-de-diabetes/
Referências:
Broome DT, Pantalone KM, Kashyap SR, Philipson LH. Approach to the Patient with MODY-Monogenic Diabetes. J Clin Endocrinol Metab. 2021 Jan 1;106(1):237-250. doi: 10.1210/clinem/dgaa710. PMID: 33034350; PMCID: PMC7765647.
Rodacki M, Teles M, Gabbay M, Montenegro R, Bertoluci M. Classificação do diabetes. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2023). DOI: 10.29327/557753.2022-1, ISBN: 978-85-5722-906-8.
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Suzana