Vigilância ativa no câncer de tireoide

Recentemente, ouvi de um professor que temos atualmente uma “geração de mulheres tiroidectomizadas” – submetidas à retirada cirúrgica da tiroide por câncer de tireoide. Esse curiosa e triste constatação em parte é explicada pelo excesso de diagnóstico e de tratamento – sobrediagnóstico e sobretratamento (overdiagnosis e overtreatment). Uma opção ao tratamento cirúgico é a vigilância ativa do câncer de tireoide.

Conceitos relativamente novos surgem juntamente com esses fenômenos, como prevenção quaternária abordada no post anterior. Ainda sobre câncer de tireoide, nesse post veremos um exemplo de vigilância ativa no câncer de tireoide mais comum: o carcinoma papilífero.

Se não diagnosticas ou tratados, 50 a 90% dos carcinomas papilíferos não causarão sintomas ou morte (1). Em estudos de autopsia, os indivíduos que morreram de doenças não tiroidianas, microcarcinomas papilíferos (<10mm) foram detectados em 0,5 a 5,2% das pessoas.

Reconhecendo o comportamento indolente, pela primeira vez a Associação Americana de Tiroide endossou na sua mais nova diretriz a vigilância ativa como alternativa à tiroidectomia total imediata em pacientes selecionados com tumor de baixo risco (2).

Dados de vigilância ativa em câncer de tireoide haviam sido publicados apenas na população japonesa (3). Para avaliar se o comportamento desses tumores também era semelhante em outra população, um grupo de pesquisadores estudou esse tipo de câncer na população americana. A cinética do crescimento (probabilidade, velocidade, magnitude) do carcinoma papilífero de baixo risco (tumor ≤1,5 cm e restrito a tireoide) foi estudada em 291 pacientes que não foram submetidos à cirurgia de tiroidectomia, mas acompanhados de forma ativa com radiologistas experientes em um hospital de referência nos EUA (4).

O exame de ultrassom foi realizado a cada 6 meses por dois anos e posteriormente a cada ano.

O crescimento do tumor que foi considerado significativo se houvesse aumento em ≥ 0,3 cm no seu maior diâmetro ou > 50% do seu volume.

Resultados do estudo:

Um total de 291 pacientes foram incluídos no estudo, destes 75,3% mulheres eram mulheres e a média de idade foi de  51 anos. Esses pacientes foram observados durante uma média de 2 anos (mínimo de 6 meses);

Do universo de 291 pacientes estudados, foi observado que:

  • Em 7 pacientes (2,4%), o volume do tumor não pode ser adequadamente calculado
  • O tumor aumentou em ≥ 0,3 cm em 11 (3,8%)

Em 284 pacientes o volume do tumor foi avaliado, cujos resultados foram:

  • Em 36 pacientes (12,7%) o volume do tumor aumentou em > 50%
  • Em 229 (80,6%) o volume do tumor permaneceu estável
  • Em 19 pacientes (6,7%) o volume do tumor diminuiu em > 50%
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Cinética de crescimento do carcinoma papilífero de tiroide. Modificado de Tuttle e col.

O aumento do volume em 50% precedeu o aumento de 0,3cm no maior diâmetro.

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Cinética do volume do tumor papilífero de tiroide

Dos tumores que apresentaram crescimento, o padrão foi de crescimento exponencial clássico, com duplicação do volume do tumor a cada 2,2 anos.

Não foi observada metástase regional ou à distância durante o tempo do estudo.

Pacientes com idade <50 anos tiveram maior chance de crescimento do tumor.

Até o momento da publicação dos dados:

  • 279 (95,9%) pacientes permaneceram sob vigilância ativa
  • 5 (1,7%) pacientes escolheram fazer cirurgia mesmo sem crescimento do tumor
  • 2  (1,7%) perderam seguimento
  • 5 (1,7%) submeteram-se à cirurgia de tireidectomia por aumento do tumor.

Discussão e conclusões

Os carcinomas papilíferos de tiroide aumentarão de tamanho apenas em 10 a 15% dos pacientes, sendo a probabilidade de crescimento 6 meses de 2,5% em 2 anos e 12,1% em 5 anos, confirmando dados da população japonesa previamente publicados.

Os autores reconhecem como limitação da reprodutibilidade do estudo, a disponibilidade (ou a falta de) uma equipe de radiologistas experientes que façam parte da equipe médica responsável pelo acompanhamento do câncer de tiroide.

Concluem que a taxa de crescimento de tumores papilífero ≤1,5 cm é baixa.

Como o número de tumores papilíferos descobertos continuam a crescer (epidemia de diagnóstico), faz-se necessária novas estratégias para evitar o sobretratamento de tumores sem crescimento ou sintomas, não perdendo de vista a pequena percentagem de tumores que crescem ao longo do tempo. Estudos adicionais poderão ajudar a determinar o significado clínico do discreto crescimento desses tumores e refinar os limites para intervenção.

Mais recentemente, o grupo japonês publicou resultados da observação de 10 anos dos casos de microcarcinoma papilífero (<10mm) em 1235 pacientes, e apenas  8% e 3,8% dos dos pacientes mostraram aumento do tumor em ≥3 mm e aparecimento de metástases em linfonodos, respectivamente. Os microcarcinomas tiveram menor probabilidade de crescimento em pacientes mais idosos (≥60 anos), com isso concluíram que a vigilância ativa pode ser o tratamento de primeira linha para microcarcinomas de baixo risco e os pacientes mais idosos são os melhores candidatos para vigilância ativa (5).

Sobre a vigilância ou observação ativa

A vigilância ativa é também conhecida na área da urologia ao se tratar de câncer de próstata, que tem um comportamento semelhante ao câncer papilífero de tireoide de baixo risco.

Acredito que  condições para uma vigilância ativa ainda estão longe de ser realidade no nosso meio, mas mais publicações de estudos que observaram o crescimento de tumores indolentes amplia o conhecimento da história natural desses, levantando a possibilidade de intervenção sem urgências ou mesmo de uma não-intervenção no futuro.

Quem sabe esses resultados contribuam para reduzir danos da de intervenções desnecessárias ou pelo menos diminuir a ansiedade por parte de médicos, pacientes e familiares frente ao diagnóstico desse tipo de câncer de tireoide.

Atualizado em 16/01/2018

Referências bibliográficas

  1. VACCARELLA, S. et al. Worldwide Thyroid-Cancer Epidemic? The Increasing Impact of Overdiagnosis. N Engl J Med, 375, n. 7, p. 614-7, Aug 2016. ISSN 1533-4406.
  2. HAUGEN, B. R. et al. 2015 American Thyroid Association Management Guidelines for Adult Patients with Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer: The American Thyroid Association Guidelines Task Force on Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer. Thyroid, 26, n. 1, p. 1-133, Jan 2016. ISSN 1557-9077.
  3. ITO, Y.; MIYAUCHI, A.; ODA, H. Low-risk papillary microcarcinoma of the thyroid: A review of active surveillance trials. Eur J Surg Oncol, Mar 2017. ISSN 1532-2157.
  4. TUTTLE, R. M.  et al. Natural History and Tumor Volume Kinetics of Papillary Thyroid Cancers During Active Surveillance. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg, Aug 2017. ISSN 2168-619X.
  5. MIYAUCHI, A.; ITO, Y.; ODA, H. Insights into the Management of Papillary Microcarcinoma of the Thyroid. Thyroid, v. 28, n. 1, p. 23-31, Jan 2018. ISSN 1557-9077.

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