Lipoproteína(a)  – importância clínica, diagnóstico e tratamento

O que é a Lp(a)?

Lp(a) é a lipoproteína(a), a Lp “azinha”, que nada mais é que o colesterol ruim (LDL) somado a uma apoproteína “a”. É uma molécula de colesterol ruim piorada um tanto mais. Ela pode explicar o porquê de muitos pacientes terem problemas cardiovasculares (infarto, derrame, problemas de válvulas cardíacas) sem que tenham a presença que chamamos fatores de risco clássicos, tais como colesterol ruim alto, diabetes, hipertensão, tabagismo etc.

A função fisiológica da Lp(a) não é totalmente conhecida. Uma vez que a Lp(a) está presente apenas em humanos e primatas, é possível que ela esteja envolvida no combate a vários agentes de estresse oxidativo. Por exemplo, foi provado que a Lp(a) participa da cicatrização de feridas, na formação de vasos nos tumores e na detoxificação dos fosfolípides oxidados.

Estrutura molecular da Lp(a)

A Lp(a) que contém uma única molécula de apo B100 e está ligada a uma única molécula de apo(a), além das gorduras. Mas não é só o colesterol propriamente dito que faz dela uma vilã. A apo(a) tem semelhança com compostos da cascata de coagulação.

A apo(a) e plasminogênio compartilham proteínas em forma de uma estrutura semelhante a um laço (kringles). Um kringle é um tipo de massa dinamarquesa, semelhante aos pretzels que vendem nos shoppings (Fig 1).

Figura 1. Kringle

A apo(a) tem apenas dois tipos de kringles, uma única cópia do quinto kringle (KV) e um número variável do quarto kringle (KIV), que determina a variação no tamanho da molécula (Fig 2). O plasminogênio tem cinco tipos de kringles.

Figura 2. Estrutura da Lp(a) e semelhança com o plasminogênio. Modificado de ref 2.

A semelhança estrutural da Lp(a) com o plasminogênio pode interferir na atividade deste último. Isso pode atrapalhar a degradação da fibrina e predispor à formação de coágulos na placa aterosclerótica do vaso, resultando em obstrução da artéria, resultando em infarto e derrame. Esse é o efeito pró-trombótico.

Além disso, a Lp(a) é o principal transportador de fosfolipídes oxidados – Lp(a)-OxPLs – que derivam de processos inflamatórios e processos apoptóticos. O fosfolípide oxidado é facilmente captado pelas células dos vasos (monócitos) para formação de células espumosas, característica da lesão aterosclerótica. Dessa forma, essa lipoproteína tem um perfil pró-inflamatório e pró-aterogênico.

Avaliação laboratorial da Lp(a)

Não há método laboratorial bem estabelecido para dosagem da Lp(a). Como as diferentes isoformas de Lp(a) podem ter peso molecular diferente por conta da variação na repetição dos kringles, a conversão entre mg/dL e nmol/L não é acurada e não pode ser feita.

O padrão-ouro é a dosagem de apo(a) massa por turbidimetria, nefelometria ou quimiluminesência, utilizando ensaios isoforma-insensitivos, que são pouco afetados pela heterogeneidade nas isoformas da apo(a). Não é necessário jejum.

Já que a Lp(a) e o LDL-colesterol têm composição semelhante e as suas densidades se sobrepõem, os ensaios que incluem a medida do colesterol também não são acurados se o paciente tiver hipercolesterolemia.

Um limite mais amplamente aceito para definir se a Lp(a) confere risco para doenças cardiovasculares é o valor de 120nmol/L (aproximadamente 50mg/dL).

A Diretriz Brasileira de Dislipidemia não recomenda a dosagem rotineira de Lp(a) para avaliação do risco cardiovascular, mas pode ser útil na determinação de risco na hipercolesterolemia familiar e nos pacientes com alto risco de doença coronariana precoce.

Tratamento da LP(a) aumentada

O que dá um nó na cabeça é quando se fala de tratamento. Os estudos de intervenção dietética demostraram que a dieta pobre em gordura e rica em carboidrato resulta em maiores níveis de Lp(a) que rica em gordura e pobre em carboidrato. O impacto clínico dessas alterações ainda precisa ser estabelecido.

Os efeitos do tratamento com estatina, que é a primeira linha de tratamento para a hipercolesterolemia, sobre a Lp(a) ainda permanece controverso. Como detalhado na Tabela 1, o a administração de estatina aumentou os níveis de Lp(a) após 12 semanas de tratamento. O impacto clínico do resultado das dietas e das estatinas também ainda precisa ser esclarecido.

 Utilização clínicaEfeito
Estatinas  Redução do colesterolEfeitos inconsistentes em vários estudos, com aumento em 20% dos níveis médios de Lp(a)
Niacina  Hipolipemiante  12% de redução nos níveis de Lp(a)
Estrógeno/progestágeno  Terapia hormonal  ~15% de redução nos níveis da Lp(a). A magnitude da redução dos níveis de Lp(a) é maior dependendo dos níveis da molécula no basal. Quanto maior o nível, maior a redução
AspirinaAntiplaquetário20% de redução nos níveis de Lp(a)
Fibratos  HipolipemianteNenhum efeito na redução nos níveis da Lp(a)
EzetimibaHipolipemianteNenhum efeito na redução nos níveis da Lp(a)
PelacarsenTratamento em desenvolvimento para redução da Lp(a)Redução dos níveis de Lp(a) em até 92% em esquema de múltiplas doses
Tabela 1. Medicações, utilização clínica e impacto nos níveis de Lp(a)

O que não tem muito remédio, remediado está? No que se refere à Lp(a), a gente remedia outras coisas que já conhecemos e que aumentam o risco cardiovascular, como o controle intensivo do colesterol (redução do colesterol ruim) e dos outros fatores de risco clássicos para doença cardiovascular, incluindo mudança de estilo de vida.

Tem algo novo? Sim!

Estudos em indivíduos saudáveis com Lp(a) > 75nmol/L (~30mg/dL) mostram a que o medicamento Pelacarsen reduziu substancialmente os níveis dessa lipoproteína ( de 66 a 92%). Essa medicação consiste em um oligonucleotídeo antisense que inibe a formação do RNA mensageiro do gene da apo(a).  As pesquisas clínicas já estão avançadas e é possível que tenhamos aprovação dessa medicação em breve.

Considerações finais

No dia a dia, a Lp(a) não precisa estar na solicitação de exames do médico, já os outros “colesteróis” e triglicérides, sim. Ela deve ser lembrada, entretanto, nas pessoas que tenham tido algum problema cardiovascular que não seja justificado pelos fatores de risco clássicos, que tanto falamos: diabetes, hipertensão, tabagismo, obesidade, sedentarismo etc. Pode ser considerada também nos pacientes com hipercolesterolemia familiar.

O tratamento da Lp(a) elevada, por enquanto, deve ser direcionado ao que a gente já conhece e usa até a chegada de novas medicações.

Esse tema do colesterol eu gosto muito e tem vários posts aqui no blog sobre esse assunto na categoria de “metabolismo das gorduras – lípides”. Não deixa de visitar os outros posts.

Espero que tenham gostado, um abraço e até a próxima!

Referências

  1. Di Fusco SA, Arca M, Scicchitano P, Alonzo A, Perone F, Gulizia MM, Gabrielli D, Oliva F, Imperoli G, Colivicchi F. Lipoprotein(a): a risk factor for atherosclerosis and an emerging therapeutic target. Heart. 2022 Dec 13;109(1):18-25. doi: 10.1136/heartjnl-2021-320708. PMID: 35288443.
  2. Hu J, Lei H, Liu L, Xu D. Lipoprotein(a), a Lethal Player in Calcific Aortic Valve Disease. Front Cell Dev Biol. 2022 Jan 27;10:812368. doi: 10.3389/fcell.2022.812368. PMID: 35155427; PMCID: PMC8830536.
  3. ATUALIZAÇÃO DA DIRETRIZ BRASILEIRA DE DISLIPIDEMIAS E PREVENÇÃO DA ATEROSCLEROSE – 2017

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