Diagnóstico e tratamento da insuficiência adrenal

Nesse texto, vamos ver como é feito o diagnóstico de insuficiência adrenal, a diferenciação entre os diversos tipos e o tratamento ambulatorial e hospitalar. Vimos no post anterior que a insuficiência adrenal primária tem algumas nuances que a diferenciam da IA secundária e terciária por conta da regulação da produção adrenal por diferentes vias.

Quadro clínico da insuficiência adrenal

Muitos dos sinais e sintomas são comuns a todos os tipos de insuficiência, mas tem alguns que são exclusivos da insuficiência adrenal primária. Entre eles estão:

  • falta de apetite;
  • fadiga;
  • perda de peso não intencional;
  • náuseas;
  • dor abdominal;
  • hipoglicemia;
  • pressão arterial baixa;
  • redução da libido sexual;
  • queda de cabelo, rarefação de pelos do corpo;
  • fissura por sal (IA primária);
  • escurecimento da pele (IA primária).

Esses sintomas podem ser insidiosos por muitos anos a menos que o paciente tenha uma crise adrenal.

A crise adrenal é uma emergência médica e se não tratada pode levar à morte. Tão importante a crise adrenal seja prontamente reconhecida, que o paciente que tem insuficiência adrenal deve andar com um cartão de identificação ou carta que informe desse problema de saúde à equipe de emergência a fim de que ele receba o tratamento adequado rapidamente.

A Associação Brasileira Addisoniana é uma entidade que está cadastrando todas as pessoas que têm insuficiência adrenal e hiperplasia adrenal congênita. Eles disponibilizam também um kit de emergência para ser utilizado pelo paciente nas crises.

Os sintomas e sintomas da crise adrenal são:

  • letargia profunda e fadiga;
  • náuseas e vômitos;
  • hipoglicemia;
  • dor abdominal;
  • dor de cabeça;
  • dor muscular;
  • desidratação e hipotensão.

A crise adrenal pode levar a hipotensão profunda, colapso do sistema circulatório (choque) podendo, como já falado, culminar em morte.

Diagnóstico diferencial da insuficiência adrenal

O primeiro passo para o diagnóstico de IA é confirmar os níveis baixos de cortisol no sangue. Vou falar mais uma vez que a dosagem de cortisol no sangue (sem preparo) é para diagnosticar ou descartar IA e não serve para avaliar excesso de cortisol quando se pensa em Síndrome de Cushing.

Na insuficiência adrenal primária, uma dosagem de cortisol sérico abaixo de 4 µg/dL e de ACTH de duas vezes o limite superior da referência do método confirmam o diagnóstico. Para na insuficiência adrenal secundária e terciária, o cortisol abaixo de 3 µg/dL sem elevação do ACTH também é conclusivo.

Tem casos que nos deixam na dúvida se existe realmente algum grau de IA, principalmente se é uma insuficiência parcial. Os valores de cortisol que ficam entre 3 e 14,5µg/dL necessitam do teste do ACTH sintético, também conhecido como teste da cortrosina, para avaliar a reserva adrenal.

O teste recomendado pelo autor desse texto é com administração endovenosa da dose padrão de 250µg de ACTH, seguida pela dosagem do cortisol sérico em 30 e 60 min.

A resposta normal da adrenal à administração dessa medicação seria a elevação do cortisol a pelo menos 15µg/dL em 30 min; e a 17,5 µg/dL em 60min. Esses valores são com a metodologia de cromatografia líquida e espectrometria de massa em tandem, que diferencia melhor o cortisol de outros esteroides adrenais.

Para dosagem de cortisol por imunoensaio, o valor de corte sugerido para diagnóstico de IA é abaixo de 18µg/dL em 60min.  

Em casos selecionados, pode se fazer o teste de tolerância à insulina. Nesse teste, a insulina é administrada para provocar uma hipoglicemia, que é um potente estímulo para liberação do cortisol.

Gravidez e uso de pílula anticoncepcional podem falsear os valores de cortisol para cima, mascarando uma possível IA.

Uma vez confirmada a insuficiência adrenal, partimos para diagnóstico da sua causa. A seguir, temos um algoritmo de investigação da insuficiência adrenal e suas diversas possibilidades.

Sobre a adrenoleucodistrofia, não sei se vocês sabem, mas tem um filme clássico lindo chamado de “O óleo de Lorenzo”.

Figura 6 Algoritmo de investigação e diagnóstico da insuficiência adrenal

O algoritmo não fala da dosagem de potássio, mas o potássio alto é indicativo de insuficiência adrenal primária.

Outros exames, tais como os anticorpos contra a adrenal, os diversos hormônios adrenais e os exames de imagem são úteis para investigar a causa e diagnosticar cada tipo de doença ou disfunção que acomete o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.

Tratamento da insuficiência adrenal

Reposição de glicocorticoide

Todos os tipos de insuficiência adrenal precisam de reposição de glicocorticoides por via oral diariamente. Os corticoides que devem ser utilizados são os menos potentes e mais semelhantes ao cortisol “nativo”. Estes corticoides bioidênticos seriam a hidrocortisona e o acetato de cortisona.

Pela dificuldade no acesso à hidrocortisona, no Brasil, a reposição é feita muitas vezes com corticoide sintético, a prednisona ou prednisona, que são quatro vezes mais potentes do que a hidrocortisona ou cortisona e dão mais efeitos colaterais.

Os corticoides menos potentes são usados em mais de uma dosagem ao dia, com maior dose pela manhã. O objetivo é simular a secreção natural do cortisol.

Esquemas utilizados para adultos:

  • Hidrocortisona – 10 a 25mg/dia, divididos em pelo menos duas doses. Exemplos – 10mg + 5mg; 7,5mg + 5mg + 2,5; 10mg + 5mg + 5mg;
  • Prednisona ou prednisolona – 2,5 a 5mg. Como é um corticoide mais potente, a dose é menor e geralmente administrada uma vez ao dia pela manhã.

A dose de corticoide oral diário deve ser aumentada em casos de estresse físico, durante infecção, traumas e cirurgias.

Tabela 1 comparação entre os diversos tipos de corticoide e sua potência em relação ao cortisol

Reposição androgênica

Alguém já ouviu falar de DHEA? Sim, esse é um andrógeno adrenal, precursor da testosterona. É muito usado sem indicação para situações como falta desejo sexual, andropausa, e outras situações em que seu uso não tem embasamento científico robusto e é usada indiscriminadamente.

Talvez a insuficiência adrenal seja um dos únicos ou único caso em que é bastante racional prescrever a dehidroepiandrosterona (DHEA) para melhorar a libido e reduzir a queda de cabelo em mulheres. Mesmo assim, os estudos não mostram tanto benefício e a Sociedade Americana de Endocrinologia se posiciona contra o seu uso. Como a gente não deve ser escravo de diretriz, o uso de DHEA pode ser considerado em alguns pacientes. A dose sugerida nesses casos DHEA é de 10 a 25mg ao dia.

Reposição de mineralocorticoide

Apenas para insuficiência adrenal primária, é necessário a reposição de um mineralocorticoide para fazer o efeito da aldosterona. Esse mineralocorticoide é a fludrocortisona (Florinefe®), a dose de reposição varia de é de 0,05mg a 0,2mg. O usual é prescrever fludrocortisona de 0,1mg via oral ao dia.

Tratamento da crise adrenal

O objetivo do tratamento é repor o volume de líquido que o paciente perdeu e repor corticoide. Tudo isso é na veia e deve ser feito rápido! O corticoide utilizado é a hidrocortisona em altas doses, que faz também as do mineralocorticoide.
Se houver hipoglicemia deve ser também administrada glicose na veia.

Adicionalmente, deve-se procurar e tratar o que desencadeou a crise, como antibiótico para infecção.

Esquema para tratamento da crise adrenal:

  • Hidrocortisona – 100mg endovenosa (EV) de ataque e 200mg/dia em infusão intravenosa contínua ou 50mg EV a cada 6h
  • Soro fisiológico 0,9% – 3 a 4 litros, com velocidade de um litro por hora, sempre monitorizando a pressão e os eletrólitos no sangue.

Há a possibilidade de utilização de kit de emergência pelos próprios pacientes. No Brasil, a Associação Brasileira Addisoniana está com essa iniciativa de disponibilizar kits para os pacientes, com o objetivo que a crise seja resolvida sem a necessidade da ida ao pronto socorro.

O paciente com Insuficiência Adrenal deve ter o cartão de identificação ou carta informativa da sua condição e o que fazer em caso de internação.

Considerações finais

Nos pacientes que precisam de corticoide para o tratamento de doenças inflamatórias e autoimunes, como asma, artrite reumatoide, lúpus etc., nós respeitamos a prescrição e tentamos contornar os efeitos colaterais. Se há possibilidade de retirada dessas medicações, o endocrinologista também pode ajudar no desmame. Se não for caso de insuficiência adrenal ou de indicações cientificamente provadas do benefício do uso do corticoide, nós sempre desencorajamos o seu uso.

Na insuficiência adrenal primária, mais de um tipo de corticoide deve ser utilizado. O DHEA também cabe nessa situação. A crise adrenal é uma emergência em que o corticoide deve ser prontamente administrado na veia.  

Com viram, o corticoide é um hormônio amado e odiado pelos endocrinologistas, acreditem. Amado por mudar e salvar vidas, e odiado porque vemos muita gente usando de forma totalmente irresponsável. Isso nos dá uma imensa fadiga no sentido figurado da palavra!

Chegamos ao final desse tema. Espero que tenham gostado. Há um monte de artigo sobre adrenal nesse blog, pode explorar à vontade.

Referências

  1. Husebye ES, Pearce SH, Krone NP, Kämpe O. Adrenal insufficiency. Lancet. 2021 Feb 13;397(10274):613-629. doi: 10.1016/S0140-6736(21)00136
  2. Ueland GÅ, Methlie P, Øksnes M, Thordarson HB, Sagen J, Kellmann R, Mellgren G, Ræder M, Dahlqvist P, Dahl SR, Thorsby PM, Løvås K, Husebye ES. The Short Cosyntropin Test Revisited: New Normal Reference Range Using LC-MS/MS. J Clin Endocrinol Metab. 2018 Apr 1;103(4):1696-1703. doi: 10.1210/jc.2017-02602. PMID: 29452421.

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