Avaliação do controle glicêmico no diabetes: além da hemoglobina glicada

A avaliação da controle do diabetes pode ser realizado através de glicemia capilar, proteínas glicadas e mais recentemetente da avaliação da glicose intersticial. 

Proteínas glicadas

A glicação (ligação da glicose sem ajuda de enzimas)  pode acontecer em várias outras moléculas em qualquer parte do corpo. No diabetes, esse processo é exacerbado pelas altas concentrações de glicose no sangue.

Para avaliar o grau de glicação no organismo, o exame mais utilizado e reconhecido é a hemoglobina glicada. O termo “hemoglobina glicada” (A1C) representa a ligação da glicose a uma parte da hemoglobina, proteína presente nas hemácias (células vermelhas do sangue), e reflete o grau de glicação a outros tecidos, principalmente naqueles em que a glicose tem livre acesso (olho, rim, nervos, vasos). É aquele exame de sangue que os médicos pedem a cada 3 meses para ver o controle do diabetes. 

O aumento dos níveis de A1c foram relacionados ao aumento do risco de complicações do diabetes e é o exame utilizado principalmente para avaliar o controle e recentemente foi incluído também para diagnóstico do diabetes, com suas limitações e críticas. O valor proposto para diagnóstico é a A1c ≥6,5%, já os valores para avaliar o controle, pode variar de 6,5 a 8,5% dependendo da faixa etária, presença de complicações crônicas, risco de hipoglicemia etc., devendo ser o alvo definido de forma individualizada.

Metas de hemoglobina glicada e glicemias ao longo do dia

 

DM1 ou DM2

Idoso saudável

Idoso comprometido

Idoso muito comprometido

Crianças e adolescentes*

HbA1c%

<7,0

<7,5

<8,5

Evitar sintomas de hipo ou hiperglicemia

<7,0

Glicemia de jejum e pré-refeição (mg/dL)

80-130

80-130

90-150

100-180

70-130

Glicemia 2h pós-refeição (mg/dL)

<180

<180

<180

 

<180

Glicemia ao deitar (mg/dL)

90-150

90-150

100-180

110-200

90-150

O valor de HbA1c <6,5% pode ser considerada em casos selecionados.

Nas crianças e adolescentes, a meta de <7,5% pode ser considerada nos seguintes casos:

– hipoglicemia assintomática ou incapacidade de perceber hipoglicemia;

– hipoglicemia grave;

– falta de acesso aos análogos de insulina ou de sistemas de liberação de insulina mais moderno;

– impossibilidade de monitorizar a glicose de forma mais frequente ou contínua.

Se o idoso é saudável, frágil ou muito comprometido, o médico que está acompanhando é que vai analisar.

No diabetes, ao se iniciar um tratamento (medicamentoso ou não) para diminuir os níveis de glicose no sangue, o esperado é que haja uma diminuição do processo de glicação como um todo, e que é monitorado pela queda da A1C. Como a glicose se liga de uma forma irreversível à hemoglobina, a diminuição da porcentagem da glicação é vista apenas à medida em que as células vermelhas são destruídas. A vida média de uma hemácia é de 90 a 120 dias, o que quer dizer que se houver normalização dos níveis de glicemia, apenas haverá normalização da quantidade de A1c depois que todas as hemácias forem substituídas por novas que não sofreram maior glicação.

Da mesma forma que a hemoglobina, outras proteínas do sangue terão maior quantidade de glicose combinada a elas quando o diabetes está descompensado. O exame de frutosamina leva em consideração esse princípio e representa a glicação das proteínas do sangue em geral, mas principalmente da albumina, cuja vida media é de 2 a 3 semanas.

Outros exames no sangue

Outro exame mais recente disponível é o 1,5 anidroglucitol (1,5-AG), também conhecido como 1-deoxiglicose, que avalia as variações de glicemia nas últimas 24h a 72h. A dosagem é feita no sangue, sendo inversamente proporcional à glicemia, isto é, quanto mais baixo, melhor o controle glicêmico (Fig 1).

hemoglobina glicada

A partir desse conhecimento, esses exames podem ser  utilizados na prática clínica para avaliar se uma tratamento (intervenção) dependendo do tempo que se quer reavaliar. Esses exames são feitos em laboratório a partir do sangue.

É importante lembrar que a relação do aumento da frutosamina com as complicações do diabetes não foi diretamente estudada, e sua solicitação geralmente é recomendada apenas quando há problemas na interpretação da A1c por alterações na estrutura ou condições que alterem os níveis de hemoglobina, como anemias e doença renal crônica.

Glicemia capilar

A glicemia capilar é indispensável para os pacientes que usam insulina. As medidas realizadas  pelas próprias pessoas com diabetes (automonitorização glicêmica – AMG). As avaliações da automonitorização podem ser realizadas em curtos períodos de tempo, e os métodos mais utilizados são a glicemia capilar (pequenos vasos diminutos como fios de cabelo) ou “ponta de dedo” (local onde se obtem a gota de sangue).  É importante destacar que os resultados da automonitorização servem para o ajuste de insulina e para que os próprios pacientes tome decisões frente a um resultado alterado. 

Glicose intersticial

Aqui não falamos de “glicemia” pois este termo se refere à glicose no sangue. A glicose intersticial é a glicose do líquido que está entre as células. A medida dessa glicose é feita pelos dispositivos de  monitorização continua da glicose (Fig 2). Programas de computador e aplicativos estão disponíveis para avaliar os dados da automonitorização e os dados podem ser compartilhados com a equipe multidisciplinar  em tempo real.

No exemplo abaixo de um gráfico de monitorização contínua de glicose, apesar da glicada estimada ser de 6,5%, que estaria no alvo para a maioria das pessoas com diabetes, o paciente em questão apresenta vários episódios de  hipoglicemia assintomática e tempo considerável abaixo do alvo previamente determinado seria prioridade para o ajuste da dose de insulina.

Gráfico mostrando o tempo no alvo. No exemplo em questão, o tempo no alvo foi de 88% com 2% de hipoglicemia (intervalo entre 70 -180mg/dL)

A partir de 2017, se começou a falar em tempo no alvo, do inglês time in range (TIR).  Esse novo parâmetro determina porcentagens aceitáveis de valores abaixo, acima e dentro do intervalo de 70 – 180 mg/dL. 

Em 2019, a Sociedade Brasileira de Diabetes chancelou o Consenso de Tempo no alvo, que determina: 

Como recomendação para a maioria dos pacientes com DM1 e DM2 ficaram estabelecidos, como indicadores de um bom controle glicêmico:

  • > 70% do tempo no alvo entre 70-180mg/dL (3.9-10.0 mmol/L)
  • < 4% do tempo < 70 mg/dL (< 3.9 mmol/L)
  • < 1% do tempo < 54 mg/dL (< 3.0 mmol/L)
  • < 25% do tempo > 180 mg/dL (> 10.0 mmol/L)
  • < 5% do tempo > 250 mg/dL (> 13.9 mmol/L)

Para pacientes fragilizados e com risco maior de hipoglicemia:

  • > 50% do tempo no alvo entre 70-180 mg/dL (3.9-10.0 mmol/L)
  • < 1% do tempo < 70 mg/dL (< 3.9 mmol/L)
  • < 10% do tempo > 250 mg/dL (> 13.9 mmol/L)

Para gestantes:

  • > 70% do tempo entre no alvo entre 63-140 mg/dL (3.5-7.8 mmol/L)
  • < 4% do tempo < 63 mg/dL (< 3.5 mmol/L)
  • < 1% do tempo entre < 54 mg/dL (< 3.0 mmol/L)
  • < 25% do tempo acima de > 140 mg/dL (>7.8 mmol/L).

Para diabetes gestacional, a avaliação contínua de glicose não é aprovada aqui no Brasil, mas já foi aprovada para uso em outros países para avaliação pré-prandial.

Em resumo, os níveis de glicose podem ser verificados de formas alternativas à A1c, embora a A1c ainda continue sendo o exame de referência na avaliação do tratamento. A avaliação contínua da glicose vêm ganhando força como uma ferramenta auxiliar, para essa última muito se tem falado em objetivos de controle glicêmico com tempo no alvo glicêmico e redução da variabilidade glicêmica, já que a A1c oferece uma média, e não reflete os altos e baixos da glicemia. A interpretação e solicitação dos exames laboratoriais que avaliam a glicação (e consequentemente níveis glicêmicos), glicemia ou glicose devem considerar o tempo no qual o pacientes estará ou esteve submetido ao tratamento recomendado.

Para saber mais sobre a avaliação contínua da glicose pelo Sistema Flash, confira o post: Monitorização continua da glicose

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